sábado, 2 de julho de 2011

Atrás da porta



Ouvi-a antes de a ver. As suas chinelas batiam nos degraus de pedra polida que dão o nome à rua – escadas do quebra-costas – e soaram a meu lado.
A bata azul, estampada com motivos brancos, esvoaçava mais devido ao seu descer rápido que ao vento, que não havia.
Na mão direita, uma cesta de vime, não muito grande, por onde espreitava o punho de madeira de uma marmita de alumínio. Lutando por espaço, um ou dois sacos de plástico cheios, compunham a encomenda.
Chegou-se a esta porta e, esticando-se toda, carregou insistentemente na campainha mais alta. E se o que vira na sua mão me contara quase tudo, aquele gesto completou a estória: levava o almoço, talvez o jantar a quem ali residia, ao abrigo de um qualquer programa de apoio a idosos. Que nesta zona da cidade, tal como pelo país fora, abundam, vivendo nos seus apartamentos de onde dificilmente saem.
Passados uns minutos, talvez o tempo de fumar um cigarro, vejo-a de volta. Como da primeira vez, ouvi-a antes de a ver, e olhei-a rápido para ver se traria a loiça da véspera. Não trazia.
O que trazia, isso sim, era as mãos ocupadas na cara. Onde tentava, em vão, secar as lágrimas que lhe escorriam da cara jovem, que teimavam em não secar apesar do intenso calor seco e abafado que se fazia sentir.
Fiquei a olhar para as janelas do último piso, aquele que correspondia à campainha que havia tocado. Abertas de par em par, mas nenhum som saíra, ou eu ouvira na pacatez da esplanada onde espera por um encontro que não aconteceu. Se alguma discussão acontecera, teria sido em tom baixo certamente.
Ficará a pergunta por responder: que terá ela ouvido ou visto atrás desta porta que a fez chorar, apesar de frequentadora assídua do local, como a desenvoltura da chegada demonstrara?

Texto e imagem: by me

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