domingo, 31 de julho de 2011

Relatividades



Foi um há uns três anos, talvez. Saí de casa a caminho de Lisboa, era fim do dia, não ia trabalhar, estava tranquilo.
Deixava a mente vagar, indo-se prender onde quer que os olhos ou os ouvidos chamavam, deixando que as palavras ou imagens se formassem cá dentro, antes de poderem passar ao papel ou CCD. Tranquilo quanto um malmequer.
Na estação constatei que tinham andado a limpar os escritos e a arrancar os papeis colados. Alguns tinham sido bocas inconsequentes, outras definiam territórios étnicos ou escolares, ou ainda alugueres de serviços ou consultas exotéricas. Que as intervenções murais, aqui no bairro, não têm regras fixas.
Suponho que a intervenção de limpeza então acontecida em Agosto, tenha sido um aproveitar das férias e do encerramento estival das escolas.
Em qualquer dos casos, dei por isso devido a uma nova inscrição. Datava desse dia, que o seu autor tinha feito questão de a datar, e afirmava publicamente o seu afecto do dia. Mas terá aproveitado a neovirgindade das paredes e portões e tinha tratado de colocar a mesma mensagem em tudo quanto era sítio e bem visível. Letra, tinta e mensagem iguais.
Achei graça e, qual perdigueiro de nariz no ar, segui as frases em busca de uma que mais que agradasse para fotografar, o que fiz. Entretanto chego ao cais de embarque, a composição esperada imobiliza-se e eu subo. Normal.
Já não tão normal foi, duas paragens depois, ter-me apercebido que, na minha caça, não tinha obliterado o bilhete para aquela viagem.
Incomodado com a situação, desci na estação seguinte, dizendo de mim para mim que teria que gastar 15 minutos até ao comboio seguinte. Matei-os com um café no largo da estação, com o esclarecer um casal de velhotes em como usar a máquina de venda de bilhetes e na compra do meu próprio título de transporte.
Em chegada a composição, embarquei normalmente até ao meu destino previsto.

Algumas questões se me põem.
Porque é que desci? Não foi por receio de uma eventual multa, ainda que seja pesada. Foi, realmente, porque entendi que não deveria viajar sem bilhete, sem pagar o usufruto do transporte.
Nesse caso, porquê comprar um bilhete naquela estação intermédia?
Deveria obliterar o que já possuía, pré-comprado, evitando o recurso a botões, filas, moedas e trocos.
Mas, na verdade, esta viagem para Lisboa, ficou-me mais barata em termos de bilhete do que se o tivesse obliterado. A diferença? Vinte cêntimos, salvo erro, bem menos que o que gastei num café não previsto e pago por lá. Mas, confesso, não resisti e não paguei a viagem por inteiro. Vergonha minha!
Será mais um passo no longo caminho já percorrido em direcção às profundezas do inferno, presumindo que este existe e que é profundo.
É que a honestidade é tão relativa!


Texto e imagem: by me

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