É curioso como a
tecnologia influi na cultura e nos hábitos daqueles que menos pensam no que
fazem. E é triste que assim seja.
Tenho uma razoável
aversão a fotografar na vertical.
Tenho dois motivos
que justificam esta minha “dessimpatia”, a saber:
Por um lado uma
questão cultural e profissional. Desde sempre nos habituamos a ver a imagem
como horizontal. O cinema, a televisão, mesmo a manipulação das câmaras
fotográficas, estão feitas para serem usadas e vistas na horizontal.
Não se prende isto
apenas com as técnicas de captação e consumo de imagem mas também com a cultura
em que nos inserimos. A escrita e a leitura fazem-se na horizontal. Vícios
culturais, talvez.
Mas, e por outro
lado, a nossa vivência faz-se na horizontal. Os nossos olhos estão ao lado um
do outro e não acima um do outro. A nossa percepção visual está orientada para
nos apercebermos do que nos cerca horizontalmente. Preocupamo-nos com
predadores, lidamos com os nossos iguais, sempre na horizontalidade. Até mesmo
o simples acto de caminhar nos leva a quase nada nos preocuparmos com o “em
baixo”, a nada nos preocuparmos com o “em cima”, concentrando a nossa atenção
com o “ao lado”. O “em baixo” será para sabermos de algum obstáculo, uma
informação que obtemos e retemos, não nos preocupando mais com isso. O “em
cima” será para sabermos se chove ou há pássaros, conhecimento que já sabemos
antes de iniciarmos os trajecto. Mas olhamos e cuidamos do “ao lado”.
Sendo certo que a
representação plástica é a materialização do olhar e do pensamento de quem
grafa, o mais natural é fazermo-lo na horizontal.
As excepções, não
havendo outro tipo de imposições, acontecem em três circunstâncias:
Por um lado o ser
difícil colocar o assunto representado num formato horizontal. Árvores, figuras
humanas, postes, edifícios… em querendo incluir tudo no rectângulo e com o
maior tamanho possível, nestes casos a solução, não obrigatória, é a verticalidade.
Por outro, a
subjectividade do representado e o peso que se quer que isso tenha em quem o
vê. A verticalidade obriga-nos a fazer um varrimento de olhar “contra-natura”,
colocando-nos enquanto espectadores num papel de subalternização ao representado.
O céu está em cima, o inferno em baixo. Um retrato, fotografado ou pintado,
está normalmente um pouco acima das nossas cabeças. O que nos leva, ao
olharmo-lo, a sentirmo-nos “inferiores” ao retratado.
Neste campo, da
subjectividade das posições relativas e do efeito que com isso se impõe no
espectador, há uma entidade (ou várias) que têm sido especialistas em a usar: a
igreja. Na arquitectura, na decoração dos templos, nos locais onde colocam as
imagens (bi ou tri dimensionais), tudo conduz a uma subalternização dos fieis
em relação aos deuses ou santos, sempre colocados no alto.
Por fim, existe
uma outra condicionante à forma como a fotografia é exibida: a imprensa.
Em jornais ou
livros, a gestão do espaço disponível é um equilíbrio entre as manchas de texto
e as manchas de imagem. O livro ou o jornal, apesar de nos ser apresentado na
vertical, é lido na horizontal quando aberto. E a gestão da importância e do
co-relacionamento da imagem e do texto (ilustração ou legenda) definem, muitas
vezes, se a imagem deverá ser vertical ou horizontal, por vezes para além do
formato da imagem original.
Postas estas
questões, e muito mais haveria para dizer sobre elas, regresso ao acto de
fotografar. E ao facto de os dispositivos de produção de fotografia, vulgarmente
conhecidos por câmara fotográfica, estarem concebidos para produzirem na
horizontal. A verticalidade é uma opção que por vezes nem é ergonómica,
obrigando a posições de mãos e braços menos confortáveis.
Acontece que tudo
isto começa a pertencer ao passado.
Os sistemas de
captação de imagem agora banalizados, os telemóveis e tablets, concebidos para
serem usados em leitura e no acesso à net na vertical, são igualmente usados
assim para fotografar. É raro ver alguém usar um destes aparelhos na horizontal
ao fazer de uma fotografia.
Quem os usa não
pensa na estética e nas diversas opções, não pensa na eficácia da comunicação,
não pensa nas alternativas ao uso de um aparelho cujo formato se baseia, ainda,
no velho e clássico auscultador telefónico e nas posições relativas do ouvido e
boca, bem como na eventual ergonomia.
Usa o aparelho
como vem de fábrica e consta dos manuais de instruções, limitando-se a copiar
os gestos dos demais.
Lamento ver uma
geração que se deixa subjugar humildemente pelas opções de fabricantes e não
pelas suas próprias opções.
Quer seja
vertical, quer seja horizontal, fotografem porque querem assim e não porque vos
é imposto!
Por mim,
continuarei a fotografar maioritariamente na horizontal.
Talvez porque sou
agnóstico.
Talvez porque
defendo acerrimamente a igualdade entre seres humanos.
E, juro, dá-me um
gozo tremendo ser confrontado com um assunto vertical, imaginemos que uma
árvore, e encontrar soluções para a representar num formato horizontal.
Nota: qualquer
semelhança com Vilém Flusser não é mera coincidência
By me
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