segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A mão



Um dia, de conversa com algumas colegas, falava-se de género e de olhares. Para onde os homens olham quando vêem uma mulher, qual o aspecto feminino que os atrai, e para onde olham as mulheres quando olham para um homem, que parte do corpo lhes atrai a atenção.
Confesso que fiquei particularmente surpreendido quando uma delas afirmou que as mulheres olham para as mãos dos homens. Afirmação secundada por duas outras colegas.
Não fiz (ainda) uma pesquisa aprofundada sobre o facto. Suponho que haverá um fundo de verdade e uma justificação para tal.
Mas, sendo certo que há por aí quem queira acabar com o piropo, transformando-o em crime de assédio sexual (sim, também eu falo da coisa, que está na moda) pergunto se poderei considerar como assédio o facto de uma mulher, conhecida ou não, me olhar para as mãos?
É que, se assim for, tenho que mudar de indumentária. Passarei a usar luvas, daquelas de inverno, grossas, só com duas cavidades, uma para o polegar, outra para os restantes dedos. Porque eu, que sou tímido e recatado, não quero andar por aí na rua ou no trabalho, a provocar pensamentos lascivos ou ridículos. Nem quero andar a ser insultado em pensamento por quem conheço e não conheço.

Piadas aparte (ainda que a opinião que foi formulada não seja piada) acho que essa questão de criminalizar o piropo é um disparate. Mais, uma acto de lesa cultura portuguesa. E explico:
Em tempos, aquando do meu projecto “Old Fashion” no Jardim da Estrela, conheci uma jovem da República Checa. Usava ela o jardim como local para a prática de ginástica matutina ou vespertina, nos tempos deixados livres pela pesquisa que estava a fazer para a sua tese de mestrado. Que, imagine-se, versava exactamente o piropo em língua portuguesa.
Conversámos algumas vezes sobre o seu trabalho e acabei assistindo-a com alguma literatura sobre a matéria que possuo.
No meio de tudo isto o que tem graça é que ela não considerava o piropo como um insulto ou assédio. Entendia-o como uma cantata, mesmo as especialidades dos “trolhas de andaime”, interessantes e agradáveis para as destinatárias, porque se trata de elogios às formas e posturas femininas. Um alimentar o ego.
Acrescentava ela que apenas lamentava que a mentalidade lusa o entendesse como insulto ou assédio, demonstrando assim como ainda estamos atavicamente presos a conceitos de segregação de género, em que o feminino é considerado o fraco, o frágil, não podendo ser prejudicado. E, por outro lado, o ficar reservado ao homem o papel de iniciar a corte ou de demonstrar interesse.
Culturas são culturas e estou certo que entre a portuguesa e a checa não haverá muito de comum neste campo.
Mas, por vezes, necessitamos de olhares externos para vermos como somos conservadores ou castrantes nos nossos comportamentos e opiniões. Ou discussões absurdas de quem parece mais interessado num retorno às burkas que à efectiva igualdade de género, como todas as outras igualdades.

Já agora, e a título de informação completar, aviso que quem for de turismo à ilha da Sardanha se deve abster por completo de usar o nosso quase inofensivo gesto de manguito. Por lá, este gesto é interpretado como o cúmulo do insulto, dando direito a prisão imediata.


Pelo sim, pelo não, vou tratar de procurar as tais luvas.  

By me

1 comentário:

Joel disse...

Caro JC Duarte,

Tenha muito cuidado ao acenar dizendo adeus a uma mulher, o abanar de mão bem levantada ainda pode ser interpretado como uma provocação ou exibicionismo!

Joel Mota