Foi
há uns dias.
Uma
jovem senhora que me faz o favor de ser minha amiga confessou-me que, e a propósito
de um textinho meu, não conhecia a “A menina dos fósforos”.
O
computador mais próximo estava mesmo próximo, pelo que rapidamente encontrei
uma versão escrita e lhe propus que lesse.
No
final disse-me que tinha uma vaga ideia. Talvez que algum desenho animado, concluímos.
Não
será grave. Ninguém tem que ou pode conhecer tudo. E a infância depende dos
adultos em redor. Do que se conta e do que se propicia a ler.
Mas
a cultura de uma civilização baseia-se no que se vai aprendendo, mesmo de
pequenino. E se o acompanhar as tecnologias é importante (são as ferramentas de
hoje e de amanhã) que histórias contará ela (e todos os e as demais com ela
irmanadas) aos seus filhos quando for a altura?
Para
ela, e todos os outros e outras que não conhecem o conto, aqui fica, tal como o
fui buscar à net.
E
fica também a sugestão que procurem outros contos do mesmo autor. Se para mais
nada servirem, sempre servirá para entenderem alguma alusão a eles e ao seu
conteúdo que venham a encontrar.
“A
menina dos fósforos”, conto de Hans Christian Andersen
Fazia
um frio terrível. Nevava, e a noite aproximava-se rapidamente. Era o último dia
de Dezembro, véspera de Ano Novo.
Apesar
do frio intenso e da escuridão, andava pelas ruas uma menina descalça e com a
cabeça descoberta.
Ao
sair de casa ainda trazia umas chinelas, mas que não lhe serviram de muito.
Eram enormes, tão grandes que decerto pertenciam à mãe e a pobre menina
tinha-as perdido ao atravessar a rua correndo, para fugir de duas carruagens que
rolavam velozmente. Estava agora descalça e tinha os pés roxos de frio. Dentro
de um velho avental tinha muitos fósforos e segurava um punhado deles.
Ninguém
lhe comprara fósforos durante o dia e nem sequer lhe tinham dado uma esmola.
Morta de frio e de fome, arrastava-se pelas ruas. A pobre criança era a imagem
da miséria. Caíam-lhe flocos de neve sobre os cabelos louros muito compridos.
As
janelas das casas estavam todas iluminadas. Pelas ruas, espalhava-se o cheiro
reconfortante de gansos assados, pois era véspera de Ano Novo.
A
menina acocorou-se no ângulo formado pelos muros de duas casas. Encolhera as
pernas e sentara-se em cima delas, mas continuava a ter frio. Não ousava voltar
para casa porque não vendera nem um fósforo e não tinha sequer uma moeda para
entregar ao pai. Temia que este lhe desse uma sova. Além disso, em casa fazia
quase tanto frio como na rua, porque tinham apenas o telhado para os cobrir.
Apesar de terem tapado com palha e trapos todas as frestas, o vento gelado
penetrava incessantemente.
Tinha
as mãos quase geladas pelo frio. Ah! Talvez a chama de um fósforo a pudesse
aquecer um pouco. Oh! Um fósforo, apenas um! Esfregou o fósforo na parede e
protegeu com uma das mãos a chamazinha viva. Que brilho magnífico! Pareceu-lhe
que a chama era uma braseira de cobre acesa, irradiando um calor reconfortante.
A rapariguinha estendeu os pés para os aquecer mas, subitamente, o fósforo
apagou-se, a maravilhosa braseira desapareceu e a criança ficou apenas com um
fósforo meio consumido entre os dedos.
Pegou
noutro e acendeu-o. O brilho era tal que tornava o muro de um dos prédios tão
transparente como vidro. A criança viu então uma sumptuosa sala de jantar, no
centro da qual estava posta uma mesa coberta com uma toalha tão branca como a
neve. Sobre ela havia copos de cristal, pratas e finíssimas porcelanas,
reflectindo milhares de luzes. Numa travessa estava um ganso recheado com
ameixas secas e maçãs fumegantes. Um cheiro delicioso espalhava-se pelo ar. De
súbito, o ganso, apesar do garfo e da faca que tinha espetados no dorso, saltou
do prato e dirigiu-se, bamboleando-se, para junto dela.
De
repente, o fósforo apagou-se e a menina via, agora, o espesso muro do prédio.
Riscou
outro fósforo e viu-se sentada junto de uma árvore de Natal magnífica, ainda
maior e mais bela do que a que vira no Natal anterior, através da porta de
vidro da casa de um rico comerciante. Uma infinidade de bolas coloridas
reflectia os milhares de velas que ardiam por entre a ramagem. Dos ramos mais
baixos pendiam, em fios de prata, laranjas e frutas cristalizadas.
A
menina estendeu os braços para tanta maravilha, mas o fósforo apagou-se e todas
as velas da árvore subiram para o céu, transformando-se em estrelas.
Uma
delas caiu, deixando um longo rasto luminoso. «Morreu alguém», pensou a
criança.
A
avó, a única pessoa que lhe dera afecto e que já tinha morrido, dissera-lhe um
dia:
-
Sempre que cai uma estrela, uma alma entra no Paraíso.
A
menina riscou outro fósforo na parede. Viu, então, à luz da chama, o rosto
meigo da avozinha.
-
Avó, leva-me contigo. Sei que vais desaparecer, quando se extinguir o fósforo.
Desaparecerás como a braseira, o ganso recheado e a grande árvore de Natal -
disse a criança.
Pôs-se
a acender todos os fósforos que restavam na caixa, para conservar junto de si a
imagem da avozinha. Os fósforos davam uma chama tão clara que parecia dia.
Nunca a avó fora tão bela e tão grande como naquela noite.
A
bondosa senhora pegou na criança entre os braços e ambas se elevaram no espaço,
envolvidas por uma luz extraordinária. Subiram alto, muito alto, até onde deixa
de existir o frio, a fome e o medo.
E,
quando chegou a madrugada, encontraram a criança estendida no chão, com as
faces rosadas e um sorriso nos lábios. Estava morta. Tinha morrido de frio, na
última noite daquele ano.
O
Sol do dia do Ano Novo ergueu-se sobre o corpo frágil e abandonado na neve. O
avental da criança continha ainda alguns fósforos, mas perto do corpo
encontrava-se um pacote de caixas vazias. No entanto, ninguém podia supor as
esplêndidas coisas que a menina tinha visto, nem sequer a emoção que sentira ao
ser levada pela bondosa avozinha, no dia em que o novo ano principiava.
By me
Sem comentários:
Enviar um comentário