A esta hora da
manhã há muitos lugares livres nos comboios que tratam da migração diária entre
os subúrbios e a cidade. Pelo menos agora, que as aulas ainda não começaram a sério,
como sabemos da prática e das notícias.
Vejo, um pouco lá
mais à frente (ou atrás, que viajava eu de costas) um cavalheiro, de fato e
mala na mão aparentando ser de um portátil, debruçar-se sobre um banco vazio e
entabular conversa com uma senhora que estava sentada junto à janela.
Estranhei.
Em regra, quando
tal sucede, há alguma confiança entre quem fala. E pela postura, não o parecia.
Imaginei que se
tratava de um qualquer pedido de informação, escolhida aquela interlocutora
pela partilha de origens, algures no hemisfério sul.
O que começou por
ser uma breve troca de palavras, com semblantes neutros, evoluiu para o ele se
sentar no lugar vago e a conversa continuar. As palavras não as ouvia (que a
distância e os ruídos ambientes não o permitiam) mas fui percebendo que se
conheciam. P’los gestos e poses.
Ela “a modos que”
a ignorá-lo, ele com ar severo, falando e gesticulando com o indicador direito
em riste. Dez, vinte, trinta segundos, dois minutos foi durando a conversa, que
muito cedo passou a monólogo.
Ela foi abrindo a
mala e de lá retirou uns óculos que, com gestos pausados, colocou na cara. E
seguiu-se-lhes um livro, que foi abrindo. E ele falando e gesticulando.
Terminou o episódio
com o ele levantar-se e afastar-se para o fundo da carruagem, sentando-se
ostensivamente sozinho.
Agora, que vou
escrevendo estas linhas, mantêm as posições relativas: ele lá ao fundo, já não sozinho
que a composição foi enchendo, ela no seu banco junto à janela, lendo um livro
cujo título não consigo ler.
Pergunto-me se,
neste pequeno drama, quiçá conjugal, ela estará mesmo concentrada no que está a
ler. E se ele não estará a congeminar o resto da conversa para o fim do dia, já
em casa. Supondo que ainda a partilham.
E sabemos que os
dias nem sempre começam bem.
By me
Epílogo:
Cinco minutos
depois de escrito e publicados texto e fotografia, cheguei à minha estação. A
caminho da porta para desembarcar, cruzei-me com a senhora, que também,
percebi, ia sair. Estava a mudar de óculos de leitura para óculos de sol,
grandes.
Chorava.
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