sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Matinas



A esta hora da manhã há muitos lugares livres nos comboios que tratam da migração diária entre os subúrbios e a cidade. Pelo menos agora, que as aulas ainda não começaram a sério, como sabemos da prática e das notícias.
Vejo, um pouco lá mais à frente (ou atrás, que viajava eu de costas) um cavalheiro, de fato e mala na mão aparentando ser de um portátil, debruçar-se sobre um banco vazio e entabular conversa com uma senhora que estava sentada junto à janela. Estranhei.
Em regra, quando tal sucede, há alguma confiança entre quem fala. E pela postura, não o parecia.
Imaginei que se tratava de um qualquer pedido de informação, escolhida aquela interlocutora pela partilha de origens, algures no hemisfério sul.
O que começou por ser uma breve troca de palavras, com semblantes neutros, evoluiu para o ele se sentar no lugar vago e a conversa continuar. As palavras não as ouvia (que a distância e os ruídos ambientes não o permitiam) mas fui percebendo que se conheciam. P’los gestos e poses.
Ela “a modos que” a ignorá-lo, ele com ar severo, falando e gesticulando com o indicador direito em riste. Dez, vinte, trinta segundos, dois minutos foi durando a conversa, que muito cedo passou a monólogo.
Ela foi abrindo a mala e de lá retirou uns óculos que, com gestos pausados, colocou na cara. E seguiu-se-lhes um livro, que foi abrindo. E ele falando e gesticulando.
Terminou o episódio com o ele levantar-se e afastar-se para o fundo da carruagem, sentando-se ostensivamente sozinho.
Agora, que vou escrevendo estas linhas, mantêm as posições relativas: ele lá ao fundo, já não sozinho que a composição foi enchendo, ela no seu banco junto à janela, lendo um livro cujo título não consigo ler.

Pergunto-me se, neste pequeno drama, quiçá conjugal, ela estará mesmo concentrada no que está a ler. E se ele não estará a congeminar o resto da conversa para o fim do dia, já em casa. Supondo que ainda a partilham.

E sabemos que os dias nem sempre começam bem.

By me 

Epílogo:
Cinco minutos depois de escrito e publicados texto e fotografia, cheguei à minha estação. A caminho da porta para desembarcar, cruzei-me com a senhora, que também, percebi, ia sair. Estava a mudar de óculos de leitura para óculos de sol, grandes.

Chorava.

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