Rondavam
a mesma idade: vinte anitos, mais coisa, menos coisa.
Ambas
sentadas à minha frente, no comboio, contrastavam entre si como azeite e água.
Uma,
dita “gótica”, era toda preto e branco. Preto no vestuário, em que o branco
aparecia apenas na sola das sapatilhas. E no tom de pele, que não deveria saber
o que é sol há bem meio século.
A
outra, também morena, mas com um ar rural, vestida com um vestido estampado em
tons de rosa e verde pálidos.
Tinha
esta, por enfeites, um par de brincos metálicos, com uns brilhantes, que me
pareceram mais pechisbeque que outra coisa. Cara lavada, unhas não pintadas.
A
de preto, sentada à minha frente, também de cara e unhas virgens, tinha tatuado
no peito, que o decote em barco bem deixava ver, um morcego preto, com olhos
vermelhos. Simétricos, no lábio de baixo, dois piercings metálicos. Nos lóbulos,
brincos pretos, de massa.
Na
mão de cada uma, um aparelhómetro de comunicação portátil. Um preto, como seria
de esperar, estava ligado aos ouvidos e deveria ir jorrando música.
Suficientemente baixo para que não a ouvisse eu.
O
outro era cor-de-rosa, parecido com o do vestido, e estava a ser usado para ler
mensagens.
A
outra mão de cada uma segurava uma mala. Uma, uma mala ou saco, de pano preto,
de alça bem comprida, decorado com caveiras em branco e vermelho.
A
outra, se bem que tivesse a sua malinha no colo, segurava uma mala de viagem na
coxia, não fosse tombar com os solavancos.
Saiu
esta numa estação, na cidade. Ao levantar-se, endireitou o vestido atrás e,
pela velocidade e decisão com que caminhou no cais, não teria muito tempo até
ao autocarro de longo curso que supus que iria apanhar.
A
outra levantou-se na estação seguinte. Mesmo que o saco fosse bem descido, a
bater-lhe no joelho, o cós das calças de ganga preta fora subidos atrás,
tapando pudicamente o elástico das cuecas, azul-bebé. Que contrastava com as
rendinhas pretas que exibia de um lado e do outro das asas do morcego. O seu
passo era de quem caminha para onde é obrigada, quiçá um emprego.
O
que ambas tinham em comum era a dificuldade em tirarem os olhos da minha barba,
branca, e do que trago na lapela, um Azinho em preto e branco. Estive vai-não-vai
para lhes explicar o seu significado, mas não sei se aceitariam a conversa ou
se o entenderiam.
É
por estas, e por todas as outras, que gosto tanto de andar de comboio,
suburbano ou longo curso. Que o mundo está ali, na lombriga metálica, com todas
as suas diversidades e contrastes, partilhando bancos e coxias.
By me
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