segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Vadia



Num grupo de fotografia on-line a que pertenço, fizemos uma brincadeira bem interessante há uns três anos.
Sendo que o grupo se destina a amantes e utilizadores de câmaras Pentax, um dos membros disponibilizou uma objectiva 28mm, f:2,8 para a brincadeira. Uma objectiva que, não tendo eu a certeza, bem pode ter uns trinta anos.
Pois a bela da óptica andou pelo mundo, das Américas às Europas, das Ásias às Oceânias, viajando via sistemas de correios, e permitindo que os seus destinatários a usassem durante algum tempo. Partilhando depois, on-line, o que com ela haviam feito.
Nada tem de especial esta objectiva. Tendo a idade que tem, é completamente manual, obrigando a exposição e focos pensados pelo utilizador e não pelo programador da fábrica. Mais ainda, a sua qualidade óptica, ainda que de vidro como já hoje são raras, é padrão: para a grande maioria dos utilizadores de película esta era a primeira “grande angular” que se comprava, dado o seu preço e multi-funções em termos de ângulo de visão.
Sei que a grande maioria daqueles que “deram uma voltinha” com a objectiva tinham uma igual ou muito semelhante. Como eu mesmo.
Qual é, então, o interesse nesta brincadeira, perguntarão. Vários!
Por um lado, ao termos acesso a ela, mesmo que com uma igual guardada, obrigou-nos a usá-la. A inércia de usar uma objectiva zoom, que tudo cobre mas que nos leva a ser preguiçosos, é terrível. Que, em preferindo a zoom, estamos a preterir a perspectiva, a principal ferramenta de um fotógrafo.
E se, em câmaras de película de 35mm ou em câmaras full size, a objectiva dita “normal” em função do seu ângulo de visão é a 50mm, já numa Pentax será a 28mm, aproximadamente. A objectiva “topa-a-tudo”, que se aproxima da visão humana (este conceito é bem discutível, mas agora não será o momento), e que, em muitas situações, é suficiente. Ou, para usar uma gracinha, uma objectiva fixa como uma 28mm (ou 50mm) é uma zoom a duas velocidades: pé direito e pé esquerdo.
Foi um exercício fotográfico interessante, que muitas vezes recomendei (certo: impus) aos meus alunos. E que eu mesmo faço, de quando em vez, só para não esquecer.
Mas igualmente interessante foi o facto de esta objectiva vadia ter sido partilhada por tanta gente pelo mundo fora, gente que apenas se conhece ou conhecia de um grupo on-line, com uma confiança recíproca óbvia. Se bem me recordo, fomos mais de vinte da “dar uns tirinhos”, sem que algo de errado tivesse acontecido à bela da objectiva. Bem pelo contrário, que um encontrou um estojo de marca e da época e passou a fazer parte do conjunto itinerante, acabando por fica nas mãos do dono da objectiva.
São estes detalhes, saber fazer e saber partilhar, que vão sendo cada vez mais raros de encontrar, numa sociedade cada vez mais rápida no consumo do conhecimento e de bens, em que ambos têm um prazo de vida ajustado à utilização pontual que deles fazemos.


Nota extra: a objectiva visível na fotografia não é a da história mas antes a minha, que o “boneco” foi feito a correr esta madrugada. A da história está, muito naturalmente, nas mãos do seu dono, algures ali para os lados da California.

By me 

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