domingo, 1 de setembro de 2013

Da prática da ética



Ao longo dos anos tenho estado envolvido em diversas actividades de formação e educação. Entenda-se que o uso dos dois termos não é casual, já que não são sinónimos, ainda que o possam parecer.
Em todas elas os conteúdos estavam mais ou menos definidos à priori, nuns casos com mais rigor, noutros nem tanto. Nuns casos cumprindo programas definidos por outras entidades, noutros de minha exclusiva responsabilidade.
Do ponto de vista formal, esses conteúdos dividiam-se em duas características ou grandes áreas: a técnica e a estética. Dificilmente alguém poderá argumentar que ambas não são vitais no audiovisual, seja qual for o suporte e grau de aprofundamento.
Mas sempre fiz questão de, adaptadas aos grupo etários e culturais, de inserir duas outras áreas igualmente vitais: a semiótica e a ética. Mesmo que não constassem nos programas previstos por terceiros.
Destas quatro áreas, a mais fácil de ensinar (e de aprender) é a técnica. Para cada acção há uma reacção, o equipamento tem regras, leis, normas e limites próprios e o seu uso é de constatação imediato: ou resulta ou não resulta, ponto final. Claro que há sempre possibilidade de ir mais fundo e longe, mas mesmo isso tem limites.
O aspecto seguinte em termos de facilidade de ensino e aprendizagem é a estética. Mesmo que seja objecto de muita subjectividade, que dependa de gostos e hábitos, numa sociedade cada vez mais dependente da imagem já nos fazemos gente e aprendemos a ver e ouvir ainda antes de aprendermos a falar ou andar. Isto já nos dá, queiramo-lo ou não, uma cultura audiovisual de base, no tocante a estética que, queiramo-lo ou não, facilita a sua aprendizagem. E, mesmo que assim não fosse, a sociedade ocidental encarregou-se de a sistematizar, normalizar, enquadrar, a ponto de, para ela, ter criado regras. E, mesmo que um aluno ou formando não seja brilhante em termos estéticos, se as seguir não fará má figura.
Em seguida vem a semiótica. Mais complicada de sistematizar, depende em boa parte da idade e grau cultural do estudante a capacidade de a entender. Nos jovens torna-se mais complica a sua aplicação, já que a contestação que lhes é inerente não facilita o uso de códigos generalizados de uma geração anterior. Mas, e como em tantos outros aspectos, depende da forma como lhes é apresentada e de como lhes é demonstrada a importância do seu domínio. Vital, do meu ponto de vista.
Resta a mais difícil: a ética. Para além de variar entre culturas, sub-culturas ou mesmo “tribos” como hoje se usa dizer, a sua aceitação varia, e muito, com a personalidade e formação individual. Não importa o grupo etário: é sempre difícil fazer passar a mensagem por forma a ser intuída, no lugar de imposta. Que, e como bem sabemos, tudo quanto é imposto é alvo, assim que possível, de ser praticado o seu contrário. Não importa qual o campo de actividade. E com toda a subjectividade que está subjacente ao audiovisual, ainda mais.
Indo mais longe, entenda-se o seguinte: a principal ferramenta de um professor ou formador é a sua credibilidade. Se o que ele diz e afirma for aceite, será aprendido. Se ele não for credível, os níveis de sucessos dos alunos ou formandos serão, garantidamente, muito mais baixos.
E se isto é indubitavelmente válido nos campos da técnica, da estética e da semiótica, é uma verdade absoluta e inquestionável no campo da ética. Afirmar ou defender algo ou um comportamento e praticar o seu oposto é perder tempo do ponto de vista de pedagogia. Válido em todos os campos e idades.

Uma das principais dificuldades, do ponto de vista ético, de quem está ligado ao audiovisual, é o tratar por igual todos os que surgem em frente da objectiva. Não importa o quão não simpatizamos, ou mesmo odiamos, essa ou essas pessoas. Enquanto profissionais da imagem, são todos iguais e há um nível mínimo que não deve ser diminuído. Claro que podemos ter atitudes discriminatórias pela positiva. Mas pela negativa não! É bem mais honesto não aceitar o encargo que, propositadamente, fazermos menos bem só porque não podemos com aquela pessoa ou grupo.
E isto sei-o em profundidade e sem dúvidas pelos anos que levo de ofício e pela variedade de gente que me passou pela objectiva. E garanto que, de todas as vezes que me apeteceu mandar às urtigas as éticas e as civilidades e reagir de acordo com emoções primárias, me consegui conter, mantendo-me nos níveis mínimos aceitáveis: neutro.
Tal como garanto que daquela vez em que agredi um primeiro-ministro de Portugal, estando em serviço, foi um mero acidente, sem nada de premeditado ou segundas intenções.

Mas também garanto que muitas foram as vezes que meti as mãos nos bolsos e virei costas para não perder as estribeiras. Exactamente como hoje, caramba!

By me

Sem comentários: