Semiótica
é uma palavra cara. E de significado meio obscuro. E torna-se mais difícil de
entender quando se refere à imagem.
Mas
a verdade é que funcionamos por símbolos, por códigos visuais de qualquer género.
Reagimos aos sinais de trânsito, à expressão facial, à palavra escrita.
A
fotografia veio complicar a coisa. Sendo uma representação factual de uma dada
situação (mesmo com as pós-produção que se fazem) mais não é que isso: pessoas,
objectos, locais, jogos de luz e sombra que existiram. E que a fotografia no-la
mostra, cortando de todo um universo de espaço e tempo aquele bocadinho rectangular.
Assim,
e não havendo códigos estritos, a leitura ou interpretação do que é mostrado
depende, sempre, de dois factores vitais: o reconhecimento factual do que ali
está e a reacção emocional de quem vê.
Por
sua vez, a reacção emocional vai depender de dois factores, igualmente vitais:
a experiência e a memória de quem vê e o relacionamento destas com o conteúdo
factual e a chamada estética.
E
é nesta que a porca torce o rabo. Que a estética é, também ela, resultante de códigos,
uns escritos outros apenas interiorizados. Os conceitos estéticos dependem da
cultura em causa, tempo e local. A interpretação que fazemos da gestão de
espaço e contrastes de cor e luz não é mesma que se faz nos antípodas, onde a
cultura “ocidental” ainda não é a dominante.
Só
para dar dois exemplos práticos, veja-se como as cores do luto variam no globo.
Ou como o sentido de leitura também varia com a geografia.
E
quando coisas tão simples e entranhadas em cada ser humano variam, toda a eficácia
da comunicação varia. E fotografia é comunicação.
A
globalização vai estreitando conceitos. E estéticas. E o peso na globalização
dos emissores vai formatando as estéticas, cingindo-as gradualmente a conceitos
uniformes definidos pelos mais fortes ou massivamente difusores.
Fotografar
é, para além da satisfação de quem o faz (material ou espiritual) uma forma de
comunicação. Quando as fotografias são exibidas (na família, na imprensa, na
net) há quase sempre a expectativa de algum tipo de aprovação, de que a
mensagem nela contida seja reconhecida por quem a vê. Que, se a ponte entre
emissor e receptor não existir, a comunicação não acontece.
Conhecer
como as fotografias são lidas ou interpretadas pelos eventuais destinatários
torna-se, assim, vital para que ela, a ponte, aconteça. Quais os códigos estéticos
vigentes, como os interpretamos, quais as vivências predominantes e os
sentimentos associados, até mesmo os códigos de conduta (escritos ou apenas
aceites).
Sobra,
claro está, uma outra forma de fotografar. Ou de escrever, ou de pintar, ou de
esculpir, ou de bailar.
Aquela
em que quem o faz ignora (por acaso ou propositadamente) todos esses códigos e
faz apenas o que lhe dá na real gana. Ignora as reacções de quem vê, dado
apenas ênfase à sua satisfação de criar algo. Mesmo que os demais, em sendo
confrontados com isso, não interpretem o que ali estiver. E reajam
negativamente ou nem sequer reajam.
Os
que assim se exprimem pertencem, maioritariamente, a dois grupos: os mais
jovens, que procuram formas de viver, expressão pessoal incluída, à margem ou
em contraponto com a geração anterior, e aqueles que se não satisfazem com os
academismos, as regras instituídas, mesmo que não escritas, os lentes que mais
não fazem que dizer o que é bom e o que não é, tudo moldando em torno de um
conservadorismo atroz.
Cabe
a quem fotografa (ou se exprime por qualquer outra forma) decidir como o faz:
se como forma de comunicação, seguindo os códigos e as semióticas existentes,
se seguir tão só o que lhe vai na alma e estar pouco preocupado com as reacções
de terceiros.
(*)
Não pretende esta fotografia ser exemplificativa de nada do que acima está
dito. Mais não é que uma de muitas garrafas atiradas negligentemente para a
via-férrea por quem aguarda, com ou sem paciência, por um comboio que o há-de
levar ao seu destino. E, tal como a garrafa terá morto a sede de quem dela
bebeu, também esta fotografia satisfez, no momento, a vontade de fazer o
registo. Nada mais.
By me
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