Desembarquei às oito e vinte e cinco, em
Lisboa, deste comboio.
Viajei sentado como de costume. A esta
hora, e embarcando onde embarco, ainda encontro lugares vagos. O que é, para
além de cómodo, prático: uso este tempo para ler, escrever ou pensar. Se as
coisas estiverem beras, ainda passo p’las brasas.
Hoje foi um misto: sentado, de olhos
fechados, estive concentrado num tema que há que tempos que me anda a perturbar
e para o qual tenho que arrumar ideias. E não é nada fácil.
A menos de meio do trajecto pensei “Bolas!”
Havia começado a ouvir a voz de alguém que parecia bêbado de todo e que se
estaria a meter com as pessoas. Abri os olhos e fui observando.
Já entradote, com uma careca razoável,
vestido com roupas bem usadas mas limpas, barba de alguns dias, voz rouca,
estilo “bagaço”… tinha todo o aspecto de quem ainda estaria com os copos, e
desde a véspera, p’lo menos.
À medida que vinha andando p’la coxia,
ia-se metendo com quem estava, com umas piadas das antigas mas com roupagens
novas, meio brejeiras, em estilo de revista, mas sempre sem ofender quem quer
que fosse ou com palavrões p’lo caminho. Com um pouco mais de atenção, percebi
que ia escolhendo o que dizia em função de quem estava sentado ou de pé. E,
estes, ou viravam o cara ou ficavam a sorrir com os dixotes deste menos comum
passageiro.
Em chegando ao fim da carruagem, parou.
Voltou-se e o tom de voz mudou ligeiramente. Foi dizendo que estava
desempregado, que antes pedir que roubar e que agradecia que o ajudassem.
Surpreendeu-me, garanto. E p’la positiva.
Que mais que estar a pedir ou estender a mão à caridade, este homem tinha
estado a trabalhar. Pouco comum o seu trabalho, mas tinha conseguido fazer algo
que não tem preço: fazer sorrir pessoas que, ainda de manhã, vão a caminho do
trabalho.
Infelizmente, foi só o sorriso que consegui
provocar, que a vontade de ajudar ou pagar a quem trabalha - e bem - ficara em
casa.
Quando passou por mim, de mão esticada, esta
vinha vazia. Agarrei-a e despejei nela o conteúdo do porta-moedas. Não sei
quanto lá estaria, mas foi todo. Ainda quis ele dizer algo, mas fechei-lha,
empurrei-a e agradeci-lhe o trabalho.
Sorriu e seguiu, continuando o seu mister,
bom de ver e não fácil de fazer.
Eu? Eu deixei-me ficar, já nem pensando no
que vinha a pensar, mas fixando algumas das piadas que havia ouvido. E segui
para o meu próprio trabalho, do qual terei pago justo e sem piedades.
Como gostaria que também este fosse.
By me
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