sábado, 25 de maio de 2013

Sobre uma colher (*)




Sei que há quem disso faça método: sair de casa com a câmara e com um objectivo específico.
Pode ser retrato, pode ser reportagem de rua, pode ser apenas cor ou formas, podem ser diversos objectivos. Alguns com nomes de estilo ou técnica.
Não o consigo fazer! Pelo menos com regularidade.
Esta forma de ir para a rua fotografar é, e disso não tenho a mínima dúvida, uma forma interessante de aprendizagem. Que ao estarmos mais atentos a esta ou aquela forma ou assunto a fotografar nos desperta ou treina para reconhecer a situação e disciplinar o olhar. Funciona e disso tenho tido provas.
Mas talvez eu seja demasiadamente indisciplinado para o fazer. Ou talvez que seja demasiado curioso para me limitar a temas ou formas. Ou talvez que eu sinta que o universo passível de ficar na minha câmara é bem mais abrangente que o balizado por uma abordagem pré-definida.
Quando saído de casa com a intenção de fotografar, o mais que defino é território: “Hoje vou fotografar ali!”
Depois… Depois deixo-me levar pelo que os meus sentidos constatam, pelas palavras ou ideias que se vão formando e pelas soluções fotográficas para isso conjugar. Uns dias constato que estou guloso por cores e formas, outros pelos significados do que vejo, outros pelas pessoas e o que fazem. Nestes casos, sobrevém o meu pudor em fotografar desconhecidos à revelia da sua vontade.
Fica-me, então, aquela abordagem mista, em que o registo visual é o “depois”, ficando o “agora” para as palavras: o relato retrospectivo da razão de ser da fotografia.
Mas o que é garantido é que tenho que entrar em sintonia com o que vejo. Tenho que ter alguma empatia com o assunto, seja positiva ou negativa, para que o registo consiga atingir os níveis mínimos de satisfação. E tenho que “aquecer”. Tenho que sentir-me como que “um só” com o que vejo, mesmo que seja uma abordagem de “voyeur”, para que as imagens, ou mesmo uma só, faça sentido.
Aconteceu-me já ir fotografar temas mais que conhecidos, como manifestações nas ruas. O tema é mais que conhecido, sei o que se contesta e o que se reivindica, consigo antecipar os movimentos colectivos e conheço os locais. Mas, em chegando ao sítio, ainda vazio ou já pleno de gente, tenho que deambular um bom pedaço por ali, vendo pessoas e objectos, sentido emoções e namorando a luz. Não que não comece quase logo a fotografar, mas mais como exercício de aquecimento que como trabalho final.
Sei que sou assim e já me deixei de ficar desapontado quando tento abordagens diferentes com resultados frustrantes. Ou quando, por um qualquer motivo, não consigo essa empatia interior.
Saio de casa de espírito aberto e, tanto quanto possível, sem baias, pré-determinações ou preconceitos. E menos ainda com títulos pomposos ou categorias estereotipadas. Em chegando ao local, mergulho no que há ou está e logo se vê. O resultado é o que de fraco vou fazendo, mas é meu e não o imitar alguém.

(*) Esta é uma colher na linha. Tombada sobre a brita que entremeia os carris e as chulipas.
Ficar-me-á sempre a dúvida sobre o que estaria a ser comido, com uma colher de metal, numa estação de caminho-de-ferro, para que, talvez em chegando o comboio, fosse assim jogada fora.
Ou, em alternativa, em que estado de limpeza estaria quando foi surripiada de um qualquer café ou restaurante, enfiada discretamente no bolso e, aqui, descartada porque já não tinha graça o palmanço.

By me 

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