Creio
que todos temos os nossos heróis, aquelas figuras que admiramos ou cujos
comportamentos lamentamos não ser capazes de seguir. Uma espécie de inveja
positiva que, quando dela nos apercebemos, nos corrói um nico.
Claro
que cada um de nós é o que é e isso é uma virtude: ser coerente. Mas todos nós gostaríamos
de ser um pouco diferentes, à imagem e/ou semelhança desses heróis.
Eu,
que não sou diferente dos demais, também os tenho. Alguns conhecidos, no campo
das artes, das letras ou do humanismo, outros anónimos, cujos nomes nem eu sei,
mas que por esta ou aquela razão se tornaram em heróis.
Esta
é um pedacinho da história de um desses.
Há
muitos anos fiz algum trabalho de fotojornalismo. Não foi muito, foi só para
lhe conhecer o gosto.
Um
desses trabalhos foi o acompanhar um jornalista numa reportagem sobre circo.
Foi pelo natal e o circo em causa tinha assente arraiais em Lisboa.
A
figura central da reportagem era um palhaço, homem de já avançada idade que
fazia o papel de palhaço rico. Foi entrevistado, numa conversa solta e agradável,
fotografei-o à civil, maquiando-se e vestindo-se e no decurso da sua actuação.
A sua casa era uma caravana, estacionada no meio de todas as outras, nas
traseiras do recinto.
Nessa
conversa, que eu ia ouvindo enquanto fotografava, foi ele contando episódios da
sua vida, pessoal e profissional, todo um mundo que a maioria de nós desconhece
que não das reportagens ou dos filmes romanceados.
A
certa altura contou ele sobre uma tournée que tinha feito aos Açores com o circo
onde então trabalhava.
Obviamente
que a logística de um circo para ir a um arquipélago não é nem fácil nem a
habitual. Enviaram de barco a tenda principal, bem como os apetrechos necessários
à função. E os atrelados com os animais. As suas casas rolantes ficaram por cá.
Ficariam alojados em pensões nas localidades em que actuassem.
Pois
este homem, que desde o nascimento remoto tinha vivido em ambiente de circo, não
foi capaz de acompanhar os companheiros. Contou ele que o facto de ter que
dormir entre paredes de tijolo, sólido e pesado, lhe tirava o sono, passando as
noites em claro. Ele, que sempre havia vivido em tendas e caravanas. O seu
tormento foi tal que se veio embora para o continente, deixando a tournée. E perdendo
o trabalho naquele circo.
Não
lhe fixei o nome. Ou, pelo menos, com o passar dos anos varreu-se-me.
Mas
qualquer um que seja capaz de agir pela sua liberdade, que se sinta preso e
reaja, mesmo que pagando o preço, é para mim herói.
Honra
a este e a todos os outros que, à sua maneira, agem coerentemente consigo mesmo,
recusando serem amarfanhados pelo sistema.
By me
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