Há
uns bons anos atrás, numa das minhas idas mais ou menos regulares a Barcelona,
levei comigo uma sobrinha adoptiva.
Uns
meses antes, aquando de um jantar com os seus pais, amigos de longa data,
virei-me para ela e perguntei-lhe: “Como é? No verão queres ir comigo a
Barcelona?”
Ficou
a olhar para mim com cara de tola, os pais a rirem da brincadeira mas, nesse
Setembro lá estivemos, 10 dias a ver e viver o possível para ambos.
Um
dos locais onde não podia deixar de a levar foi o Museu Picasso. Ainda que não
possua as principais obras do génio, cobre toda a sua vida, todas as suas
fases, tendo, entre outros, muitos trabalhos da sua infância e esboços de
trabalhos maiores e famosos.
No
final, perguntei-lhe sobre o que mais havia gostado, entre o que tinha visto e
aquilo que eu lhe tinha conseguido explicar.
A
resposta foi bem clara, para quem tinha onze anos à altura: “Das pinturas de
quando ele era criança e pintava como as pessoas!”
Vem
esta estória a propósito de ver e ouvir dizer que não se gosta de regras e
convenções.
Posso
presumir – e saber – que Picasso, Miro, Dali e tantos outros, também não
gostavam de regras e convenções e que, quando partiram para o seu estilo
próprio e inovador, foi uma tentativa de quebra com todas elas.
No
entanto, qualquer um deles dominava, ou tinha dominado, as formas de
representação plásticas convencionais, de acordo com as regras estéticas em
vigor.
Não
apenas porque as estudaram e aprenderam como, querendo expressar os seus
próprios sentimentos e emoções e que eles fossem entendidos por outros, tiveram
que recorrer às convenções, códigos e regras existentes.
O
que aconteceu foi que, a dado passo, se sentiram insatisfeitos com o que
faziam, pois que não o interpretavam como representando o que lhes ia na alma.
Partindo das convenções, começaram a inovar, variar, quebrar as regras e
códigos estéticos instituídos até encontrarem uma outra linguagem. Onde eles
próprios se reconhecessem e que outros, com sentimentos na mesma linha, os
reconhecessem e aos seus sentimentos.
Por
outras palavras, num círculo de comunicação restrito, criaram outras e novas
formas de comunicação, com outras e novas regras e convenções.
Porque,
na total ausência de regras e convenções, a comunicação não existe, já que quem
vê não entende quem pinta (fotografa, compõe, filma, dança…)
Indo
mais longe, o simples facto de nos exprimirmos define uma convenção ou regra,
já que o seu autor convenciona ou define que aquele gesto, aquela cor, aquele
som ou aquela organização de espaço corresponde a um dado sentimento seu. É um
ícone ou a substituição de algo impalpável por algo material ou não, visível ou
audível.
Aquilo
que eu gosto de ouvir ou ler é, antes sim, que não se gosta destas regras ou
convenções. Porque não satisfazem, porque não correspondem aos sentimentos ou
porque representam uma geração com a qual se quer quebrar amarras e criar
distância. Ou ainda porque essas regras ou convenções nos sufoca e prendem,
aspirando nós a outros voos.
É
isto que gosto de ler ou ouvir, principalmente se seguido por algo nesta linha:
“Não
gosto disto, não me satisfaz, não me identifico com estas regras, convenções,
linguagem! Vou partir e encontrar o meu próprio caminho, a minha própria forma
de expressão, as minhas próprias regras, convenções, códigos!”
Quando
oiço ou leio isto, a minha reacção é sempre a mesma: “ Aleluia! Mais um que
aprendeu a pensar e que nos vai ensinar algo de novo! Deixa-me aprender
contigo!”
Porque,
enquanto por cá andar, serei sempre um aprendiz. E é tão bom!..
By me
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