sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Tangentes e secantes




Data: quinze de Agosto de mil novecentos e oitenta e tal.
Como a fixei? Por ser feriado e essa ser a pedra de toque para todo o episódio.
Era eu administrador do prédio onde residia. E este estava em obras. Havia que aumentar o declive do telhado, devido a infiltrações de águas da chuva. Nem uma telha havia lá em cima nesse dia!

Pouco depois do almoço, tocou a campainha: era o técnico de TV que ia reparar o sistema de distribuição colectivo do prédio.
No fim do trabalho, umas duas horas mais tarde, regressamos a minha casa para que lhe pagasse. Grande bronca! Tinha deixado as chaves de casa… dentro de casa. Pela primeira vez na vida!
Vivendo sozinho, a coisa torna-se complicada. Para ajudar à festa, quem tinha uma chave de reserva de minha casa… estava de férias para fora!
Contactada a única empresa de Lisboa e arredores que estava aberta no feriado e que me poderia resolver a questão, disseram-me que tinham apenas um piquete para toda a zona e que não sabiam quando ou se poderiam atender o meu pedido.
Os bombeiros cá da zona informaram-me que com a escada de “pescoço de cavalo” não faziam o trabalho e que a escada “Magirus” do conselho estava avariada. Em caso de emergência, chamavam a de Lisboa.
De Lisboa ouvi uma gargalhada perante o meu pedido.
E a minha paciência a descer perigosamente para muito perto da linha de água.

Foi então que chegaram os operários que faziam as reparações do telhado. Confrontados com a minha pilha de nervos, propuseram-se resolver a coisa. E resolveram!
Quatro homens, eu incluído, agarraram as duas pontas de uma corda bem forte, no telhado. Um quinto, amarrado no meio dela, desceu pela fachada, entrou em minha casa pela janela e abriu-me finalmente a porta.
Não seria o filho de minha mãe que faria aquela viagem de uns 10 metros de descida controlada mas de uns 30 metros de queda livre! Mas fiquei-lhes francamente agradecido.

No meio desta história de final feliz, um factor me entristeceu:
Sendo feriado e estando bom tempo, bastantes eram as pessoas que estavam por ali na rua. Mas nem uma só estranhou que um desconhecido descesse por uma fachada e entrasse num apartamento pela janela. Sem que estivesse visível o locatário!
Nem deram o alarme, nem chamaram a guarda nem mesmo lá foram saber da legitimidade da manobra. Se se tratasse de um assalto, talvez me deixassem o telefone para me poder queixar!

Ser cidadão passa por intervir na vida do colectivo. Numa tangente ou mesmo numa secante!

By me

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