Era preto. Nem
muito nem pouco, apenas preto. Tal como o gorro que trazia na cabeça não estava
nem muito nem pouco enfiado. Apenas enfiado. E do mesmo modo que o grão que trazia
na asa não era muito grande nem muito pequeno. Apenas um grão na asa.
E cruzámo-nos na
porta do centro comercial cá do bairro. Eu a sair, ele a entrar com outros
dois. E o sorriso que esbocei para dentro não foi nem grande nem pequeno. Foi
apenas um sorriso. Que o dixote que um deles me atirou relembrou-me outros tempos,
em que era comum porque na moda: “Olha o Bin Laden!”
Fiquei eu cá fora,
a gozar a luz de fim de tarde e a fumar um cigarrito. A luz era bonita, mas nem
demais nem de menos, não tendo eu nenhuma razão especial para a aproveitar que
não fosse estar a li, a vê-la.
Minutos depois
saem os três. Os outros dois decididos a seguirem para onde quer que fossem,
ele indeciso. Nem muito nem pouco. Apenas indeciso o suficiente para hesitar um
nico, talvez à espera que o tal grão na asa lhe desse o bocadinho de coragem
que lhe faltava. Deu!
Acercando-se e
meio a medo com um pedido de desculpas, disse que eu me parecia com… Karl Marx.
Sorri, claro. Já
tinha ouvido a comparação, mas tão raramente que não pude deixar de sorrir. E
dar-lhe corda. Nem muito nem pouco. Apenas o suficiente para que a timidez dele
se desvanecesse e dissesse o que havia para dizer.
Observei-lhe, para
tal, que a barba dele era mais em redonda e a minha mais para o comprido.
Insistiu e avançou
pelo tema que lhe era caro: as teorias do Marx. Que as tinha lido, em Alemão
(saberia eu que ele era alemão?) e que o Engels lhe tinha seguido as ideias,
ainda que de outra forma.
E ali ficámos um
pedaço à conversa. Não era nem tarde nem cedo, a tarde estava bonita e eu pouco
mais tinha que fazer. A conversa, essa, era deveras interessante. Ver aquele
homem, com menos de trinta anos, com um grão na asa, a discorrer sobre
comunismo, socialismo, social-democracia, anarquia, a saber quem foram os
grandes pensadores e fazedores a nível mundial…
Nada que se
esperasse daquela figura, mais desempregado que com trabalho, com roupas
modestas mas uma mente riquíssima, meio feita de ideias feitas, meio feita de
ideias próprias, tratando por tu alguns nomes grandes do pensamento político e
social…
Creio que para ele
aquele é o seu refugio, considerando a sua condição material. E que aquele
momento foi grande para ele, que a sua sede de falar com alguém que lhe
respondia quase ao nível lhe agradou em particular.
Separámo-nos com
um sorriso e um forte e franco aperto de mão. Dos amigos, um desaparecera,
talvez que sem paciência para tais conversas. O outro ficara, talvez que com
alguma obrigação de o acompanhar para onde quer que ele tinha que ir.
Mas com toda a
certeza que não serão alguns grãos na asa nem as dificuldades materiais que lhe
tolherão o passo.
Quando as mentes
são capazes de ultrapassar essas ou outras dificuldades, o sorriso é
permanente.
Tal como o dono
desta mão, que conheço também aqui do bairro, e que nunca vi sem ser com um
sorriso franco estampado na cara.
O meu bairro não é
nem grande nem pequeno, mais para a classe média baixa e baixa que outra coisa,
pouco mais sendo que um bairro dormitório da grande cidade.
Mas na sua gente,
caramba, é tão rico como qualquer outro. Nem mais nem menos!
By me
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