Para além de todas
as tralhas habituais nos bolsos, há dois objectos extra que trago comigo: uma câmara
fotográfica (se não for uma DSLR na sacola, é uma pequena no cinto) e um
caderno de apontamentos.
É que, e para além
de me poder apetecer fotografar, o faço amiúde, pode apetecer-me por no papel
uma qualquer ideia ou texto, mesmo em local onde não possa usar do computador.
E, além do mais, gosto mesmo de escrever à mão, com uma caneta de tinta
permanente. É bem mais rápido no acompanhar as ideias que um teclado.
Um dos locais onde
uso bastante papel e caneta é no comboio. Vinte ou quarenta minutos é, por
vezes, quanto basta para escrevinhar um rascunho de ideia ou mesmo o texto
completo. Fico eu e as palavras, ligado pela tinta, escrevendo em cima do
joelho, literalmente.
Foi o caso desta
noite.
O tempo de espera
pelo comboio, no cais de embarque, foi fazendo crescer e tomar forma o conjunto.
Depois, sentado, foi deixar que fluíssem do aparo para o papel, tão rápido quanto
a mão consentia, intervalado apenas quando em busca da palavra ou expressão
adequada.
Em o comboio
saindo da estação anterior à minha estava feito. Rematei, como costumo fazer,
com um título no início e a data. E fechei e guardei o caderno e caneta.
Qual não é a minha
surpresa quando sou abordado pelo cavalheiro sentado à minha frente, que me
pergunta se sou escritor. Rio-me da classificação e digo-lhe que não, que não
passam de rabiscos. E pergunta-me se o poderia ajudar.
Guiniense de
origem, tinha feito uma licenciatura em gestão na Rússia, estando por cá a
concluir os estudos, suponho que a fazer um mestrado, desde há dois meses.
Mas tem um
problema que os seus professores lhe apontam: para além do domínio da língua,
dizem-lhe que parte dos seus trabalhos são plágio. E precisava de alguém que
confrontasse os seus trabalhos com os textos das obras que consulta e de onde
conjuga ideias, para os corrigir e apontar os eventuais plágios.
Mas que bota que
me querem calçar!
Não sou escritor e
o meu domínio da língua portuguesa é restrito ao seu uso mais ou menos normal.
Não sei o suficiente para lhe corrigir trabalhos numa perspectiva linguística.
Aconselhei-o a fazer uma coisa que sendo demorada, será a melhor forma de
adquirir o uso fluente do português: ler. Ler autores portugueses, não traduções.
Contemporâneos e clássicos, evitando, talvez, aqueles com escrita demasiado
elaborada ou com um estilo demasiado personalizado. No meio do que vai
aparecendo, temos alguns e bons que lhe poderiam servir de guia.
Mas é demorado,
muito demorado, para quem tem que apresentar um trabalho a prazo.
Mas, bem mais
grave que isso: sei coisa nenhuma de gestão para poder dizer, mesmo que
comparado obras, se há plágio pelo caminho ou não. Não conheço os autores, não
conheço as ideias já expressas e publicadas, é uma matéria que me passa por
completo ao lado.
Como se pode
ajudar alguém nestas condições? Sugeri-lhe que procurasse um professor, que não
os que com ele lidam, que lhe visse os trabalhos e o aconselhasse. Ainda que,
suspeito, isso não aconteça de borla e, pelo aspecto e por aquilo que sei dos
estudantes dos PALOP, o dinheiro não seja o que mais abunda.
A conversa prolongou-se
por bem meia hora, já tarde na noite, na estação suburbana onde ambos descemos.
Espero que, se e
quando nos tornarmos a cruzar aqui no bairro ou a bordo de uma composição
ferroviária, tenha ele boas notícias para me dar.
Quanto ao que
escrevinhei sentado e embalado por cima dos carris, está ali, ainda em bruto.
Passará pelo teclado talvez amanhã, em tendo tempo e inspiração para o rever e
ilustrar.
Texto e imagem: by
me
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