sexta-feira, 20 de julho de 2018

Identidades




Leio uma crónica num jornal, bem escrita, quase ridicularizando as colónias e aftershave “Old Spice”.
Fiquei escandalizado!
O tom que é usado, mesmo algumas citações e referências, atiram o consumo deste produto, e alguns outros da mesma época, para o conservadorismo bacoco.
Aceito que se tenha esta opinião, mas gostaria de contrapor outra.

Durante anos a fio fui consumidor deste produto. Era caro e eu, que até nem sou muito de usar cosméticos e aromas, fui-o tendo para usar de quando em vez, quando me apetecesse cheirar a alguma coisa. Herdei o gosto pelo aroma de família, identifiquei-me com ele e nunca senti necessidade de o mudar. Afinal, com o passar dos tempos, aquele era o meu cheiro ocasional.
Até que…
Até que um dia, faz já algum tempo, em constatando que o frasco icónico estava a chegar ao fim (por ser opaco só se dá por isso quando começa a ser difícil o extrair as gotas odoríferas) decidi que ao passar pelo lugar onde habitualmente o comprava, haveria de trazer um.
Qual não foi a minha surpresa quando, algum tempo depois, abri o novo e me apercebi que não cheirava ao mesmo. Fui comparar com o restinho que ainda tinha e, apesar de fumador e sem ter o olfacto muito apurado, confirmei-o. Haviam mudado a fórmula e o resultante aroma.
Não gostei. Nem um nico. Afinal, o “meu cheiro” havia mudado por imposição de um fabricante, não por decisão minha.
Zanguei-me com a marca e não mais a comprei. Aliás, considerando a raridade com que usava tal tipo de produto, um frasco durava anos. Zanguei-me com a marca e com o uso de aromas e até hoje continuo a não os usar só para serem aromas.
O que me incomodou na crónica, e me fez saltar a faísca para estas linhas, foi a consideração de que manter um aroma, mesmo que antigo, seja sinal de conservadorismo.
Caramba! Sei que as modas o propalam, aromas, vestuário, até cortes de pelo, até à exaustão, tentando que, com novos produtos, aumentem as vendas. Ou não as façam decair.
Mas se as roupas se vão estragando e haverá que as substituir, os aromas de cada um são como que uma espécie de identidade, artificiais ou naturais. Cada pessoa tem o seu próprio aroma natural e animal que o identifica. Tal como os cães, os cavalos e todos os outros animais. E eles usam o olfacto para identificar indivíduos. Tal como nós.
Com a diferença que a mudança de aroma artificial é como que uma mudança de personalidade, um querer parecer outra coisa que não o próprio (ou própria).
Todos os anos, nas campanhas natalícias, tentam convencer os potenciais consumidores a comprarem novos aromas. Sedutores, afirmam. Identificadores, confirmam.
A questão é saber se será mesmo necessário ser artificialmente sedutor. Ou se fará sentido mudar de identidade. Até porque uma coisa será ter mesmo necessidade disso, outra o fazer crer que se tem necessidade disso.
Infelizmente, a nossa sociedade de consumo impõe essa necessidade. Através de publicidades, através de crónicas, através de mudanças de produto. Que tanto acontecem nos aftershaves e nas colónias como nos desodorizantes.
E fico furioso quando, em sendo altura de comprar um novo, constato que deixaram de fabricar o aroma que me havia convencido e adoptado como meu. A alternativa tem passado por testar no local e tentar encontrar um aroma que me convença. Um novo aroma que me convença e com o qual me identifique.
E não se trata de conservadorismo, aromático ou outro. É mesmo uma questão de identidade. Sei quem sou e não preciso que um ou vários fabricantes me digam quem devo ser! Ou quem devo parecer ser!
Quando não, quero mudar o meu número nacional de cidadão. Gosto de capicuas e quero ter uma! Afinal, se posso mudar de identidade, se me impõem a mudança, porque não neste campo?



By me

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