A Catita era uma pacata
jumenta que residia com meus avós, no Algarve. De bom feitio, prestava-se sem
grandes protestos aos pouco carregos que lhe eram pedidos ou às raras vezes que
tinha que puxar a charrete amarela e vermelha em que os meus avós se deslocavam
às aldeias vizinhas em visitas familiares.
Encontrava-a todos os
anos quando por lá ia passar as férias de verão.
Rotina diária era ir pôr
a Catita ao pasto no final do dia e ir buscá-la de manhãzinha. Ficava ao
relento, com umas peias e uma espia numa estaca, dando-lhe um raio de acção de
uns 25 metros.
Acompanhava eu o meu avô
nessa rotina, orgulhosamente montado na manta de riscas que a cobria. Já
conhecia os truques e técnicas, de tanta vez o fazer.
Um dia quis ser grande.
Quis ir buscar a Catita sozinho. Não me queriam deixar, mas tanto insisti que
acabei por levar a minha avante.
Em lá chegando, cometi um
erro fatal: retirei-lhe as peias e a espia antes de lhe colocar o cabresto.
Ora a bela da Catita, que
até era pachola, apanhou-se livre como nunca e pirou-se. Correu pelo restolho
fora, atravessou o pomar vizinho e quase me fugiu de vista.
E digo quase porque não
fiquei inerte. Assim que ela desembestou, percebi o que tinha feito, peguei no cabresto
e vá de correr atrás dela.
Agora tentem lá correr
por cima do restolho e torrões rijos, com um cabresto na mão e a respectiva
arreata rojando no chão. Isto tentando igualar a jumenta na corrida.
Dei vários trambolhões em
cima daquele restolho aguçado e cortante, mas nunca esmoreci.
Acabei por a apanhar numa
vinha próxima, onde a Catita se deliciava com as uvas ainda frescas da
madrugada.
Já encabrestada,
regressei pelo mesmo caminho a fim de recolher as peias, espia, estaca e manta
e voltar para casa.
À chegada, e perante o
meu atraso, já meu avô se preparava para me ir buscar, junto ao portão que
separava o quintal calcetado da estrada asfaltada.
Em face do meu estado,
pouco me foi dito. Os meus calções e camisa rasgados, o peito, braços e pernas
escorrendo dos arranhões profundos e o meu olhar cabisbaixo foram castigo mais
que suficiente. Isso e a desinfecção que o meu avô, ex-enfermeiro do exercito,
tratou de me fazer.
E nunca mais se falou em
eu ir buscar a Catita sozinho.
Mas aprendi a lição:
Procedimentos de segurança em primeiro lugar.
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