segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Então e agora



O texto e a fotografia têm dois anos de escritos e publicados. Mas como veio a talhe de foice sempre aqui fica, e com o mesmo título.

Este é o segundo compasso de desenho que tenho na vida. O primeiro obtive-o algures pouco depois de ter saído da escola primária.
Vinha ele numa caixa de madeira, pintada de preto por fora e forrada a feltro negro por dentro, com os encaixes para as diversas peças bem entalhados e à medida. Recordo-me, também, que o fecho da caixa se fazia através de um veio longitudinal, cuja carrapeta se puxava pela direita da caixa e que bloqueava um pequeno aro metálico.
Esse compasso acompanhou-me durante toda a minha vida liceal, incluindo a disciplina de geometria descritiva, em que obtive a estrondosa nota de 19 valores no exame final. Nunca repeti a proeza!
Quando mo entregaram, talvez que com a mesma solenidade com que me deram o meu primeiro relógio de pulso, no exame da 4ª classe, disseram-me que era uma peça cara, de muito rigor e que teria que o estimar bem. O que fiz, apesar de muito eu gostar de desmontar coisas e de lhes dar outros usos que nunca o fabricante haveria imaginado. E usei-o nas aulas assim como quando construía carros, camiões e carros blindados em cartolina para as batalhas de mesa, entretém que me acompanhou por bons anos.
Em acabado o liceu, levou outros rumos que já não recordo e perdi-lhe o rasto. Mas não o esqueço, nem ao nome da marca, gravada no aço da bifurcação do compasso: Kern.

Este, comprei-o hoje, pela graça que lhe achei, num supermercado. O preço? Quase quatro euros. Uma ridícula ninharia, comparado com o que deve ter custado o que tive, se fizermos o ajuste cambial, nível salarial de minha família e de custo de vida. 
E duvido, muito sinceramente, que este durasse o mesmo nas mãos de um estudante nos dias de hoje. Pelo seu muito baixo custo e com a semelhança que a própria embalagem tem com a de um brinquedo. No meio de tudo o que hoje se transporta na sacola estudantil, e emparelhado com tecnologia electrónica de consumo, rapidamente a caixa se estragaria, as peças se perderiam e deixaria de ter utilidade. Para já não falar que a sua acessibilidade nos expositores das grandes superfícies lhe retiram por completo a solenidade e respeito por uma ferramenta de precisão.
Como nota final, sempre poderei dizer que só muito mais tarde me passou pelas mãos um apara-minas destes. Aquilo que sempre usei foi uma lixa para minas, por mim construída numa aula de trabalhos manuais, com madeira e lixa, que deixava o bico em bisel e não cónico. De grande rigor no traço e que obrigava a uma boa dose de disciplina, para que a grafite assim raspada se não espalhasse onde não devia. 


Com o nível de rigor que hoje se pede aos estudantes, com compassos “made in china” e mais baratos que um maço de cigarros… O futuro nos dirá que colheita teremos do que agora vamos semeando. 

By me

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