terça-feira, 10 de março de 2015

Pedaços de que gosto





São os metros quebrados, as molduras obtusas em segundos fluidos.
São os limites que nos impomos quando a alma anseia pela distância.
É a visão toldada por uma perfuração cerrada.
É fotografar às escuras num laboratório de sol e imprimir em papel amarrotado as luzes aromáticas.

Abomino o formato quadrado.
E o rectangular.
E o triangular, se o houvesse.
Ou o trapezoidal que invento com a minha câmara virtual, onde o tempo não pára na fracção de segundo de uma exposição condenada!

Quando emolduro uma fotografia, estou a fazer uma redundância.
Já disse, com o meu enquadramento, que só me interessa isto.
Que todo o resto é inútil e que deixo de fora.
E estou a mentir, com todos os meus dentes e os que já tive.
Nunca me interessa só isto! Ou só aquilo! Ou só aqueloutro!
O meu interesse, como fotógrafo, como ser humano, é todo o mundo e arredores, do segundo que passa à humanidade que existe.

E quero ser dono de tudo!
Das árvores e dos pássaros, dos colos e das gárgulas.
Cabelos, rugas, gestos e sorrisos, palavras ditas e sonhadas na prata ou no electrão.
Mas tudo isto não cabe no meu enquadramento!
Nada disto cabe no meu enquadramento!
Como um sonâmbulo furioso, vou coleccionando as peças do puzzle que é a vida, formando um desenho abstracto, tal como eu mesmo.

E quando o desenho estiver concluído, esgotados que estiverem os raios de sol ou eu próprio, olhá-lo-ei de onde quer que esteja e verei o que fui e o que fomos.
Aí, com todo o cuidado, escolherei os pedaços bons. Juntá-los-ei com todos os outros pedaços bons, de todos os outros homens, e faremos um novo universo, revisto e melhorado.

Porque se para isto não servir a fotografia, nem vale a pena dar-me ao trabalho!

By me

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