segunda-feira, 2 de março de 2015

O balde





Eu sei que fui mauzinho. Ou talvez não.
Andava já com ela engatilhada e hoje foi o dia de estreia.
Vi-as entrar no prédio. Os cartões que traziam pendurados no peito, bem como as pastas na mão não davam azo a dúvidas: agentes comerciais de uma empresa conhecida de comunicações.
Subi rápido e, sendo que tinha que o fazer de qualquer modo, fui pôr água no balde, deixando-o pertinho da porta de casa.
Quando me bateram à porta, passada talvez uma meia hora, fizeram-no do modo que eu esperava. E que detesto do fundo da alma: campainha e nós dos dedos na porta.
Caramba! Esta é a forma de chamar alguém de urgência, de não deixar para depois, de fazer correr a ver o que se passa. E não gosto que me imponham, em minha casa, a urgência dos outros não sendo urgente.
Abri a porta com o casaco meio vestido e com o balde de água na mão. Só meio, entenda-se, que não o queria entornar.
E, com o ar mais honesto e aflito possível, perguntei de afogueada:
“Onde é o fogo? Onde é? Já chamaram os bombeiros?”
Claro que a reacção delas foi a esperada: espanto total.
E eu acrescentei:
“Para me baterem à porta desta forma, ou há fogo ou está alguém entre a vida e a morte. Não sou médico, mas ainda posso ajudar a apagar um incêndio. Onde é?”
Titubearam, apresentaram as suas credenciais e ao que vinham, pediram desculpa pelo incómodo. E eu insistia que aquela forma de chamar alguém à porta é, no mínimo, agressiva e que não me interessa para nada que na formação que recebem lhes digam para o fazer.
Quando se afastaram, antes de eu fechar a porta, iam com um ar misto de preocupadas, intrigadas e divertidas.

By me

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