Se pensarmos bem
sobre o que fazemos, nós os fotógrafos, acabamos por chegar à conclusão que a
nossa actividade funciona pela negativa.
Já nem falo, agora,
na questão do enquadramento, em que com ele excluímos tudo o que nos cerca menos
o que nos interessa. O sistema fotográfico assim nos obriga.
Falo, antes sim,
que ao fotografarmos não estamos a registar a luz que nos agrada mas antes a
modificação que ela sofreu. Quer seja por atravessar a atmosfera, quer seja
porque algo se interpõe no seu caminho, quer seja a que é reflectida de um
qualquer objecto ou ser vivo.
Não fotografamos a
luz mas sim as suas consequências.
Tenho uma especial
predilecção por fotografar empenas.
São telas grandes,
impolutas de cores e irregularidades de formas, o local certo para que a luz,
que não vemos, incida, se manifeste e nos mostre as alterações que sofre: as
modificações de quando o sol está baixo no horizonte, atravessando mais
atmosfera e materiais em suspensão; a reflexão na atmosfera, mostrando-nos um
cor celeste tão breve quanto o pôr-do-sol; a interrupção no seu trajecto, feita
pelos prédios vizinho, que reduz à bidimensionalidade fotográfica o que é de
facto tridimensional…
Para todos os
efeitos, sombras projectadas são fotografias, na medida em que é a escrita da
luz que vemos.
Naquele dia
atrasei-me no meu caminho, entretido que estive a ver aquele magote de gente
jovem a desfrutar do jardim, do fim do dia e da antecipação de férias.
Espraiados pela relva em pequenos grupos sentados nela ou não, cavaqueavam e
riam-se por entre golos de cerveja barata com a displicência e alegria própria
de quem ainda não entrou nas rotinas e obrigações laborais, parentais e
horárias. Bom de ver, mesmo!
Quando decidi
seguir e ir até a uma das minhas empenas favoritas constatei que era tarde: não
chegaria a tempo de assistir à última fotografia ali exibida pelo sol.
Mas sendo que
estava disposto a fotografar uma fotografia, escolhi outra: esta, que estava
mesmo ali e que, fosse lá porque fosse, ainda não havia descoberto.
E se nós,
fotógrafos, procuramos com a nossa parafernália tecnológica a perpetuidade do
nosso trabalho, o universo, na sua eternidade, escreve breve e rápido, não se
preocupando com conceitos estéticos ou tecnologias.
Gosto de empenas
ao cair do dia. E de sentir, com a modificação das sombras, a nossa
rotatividade. E a nossa brevidade.
Manias!
By me
Sem comentários:
Enviar um comentário