A conversa aconteceu por acaso, ainda que
creia que estava adiada sem o sabermos.
Íamo-nos cruzando quando calhava, com um
sorriso de circunstância, uma saudação de acordo com a hora ou um “obrigado”
perante a cedência de passagem ou o segurar de uma porta. Nada mais.
Desta vez a geografia do lugar (ou a
disponibilidade da cadeira) deu azo à conversa.
Um pouco disto, um nico daquilo, e veio à
baila o projecto “À-Lá-Minuta” e algumas das histórias nele vividas. Muito por
alto.
Pois assim, sem me conhecer mais que isto,
sem saber como ou o que fotografo ou como ou o que escrevo, sai-se com um “Mas
tem que fazer um livro com isso!”
É isso!
Os livros são a metros, ao quilo, à grosa!
Desde que seja feito.
Não importa a qualidade da escrita, um
estilo ou estilos de referência, a qualidade frásica ou de vocabulário. Há que
fazer um livro!
E bem o sabemos!
As livrarias, no meio de muita coisa boa,
estão cheias destes, livros a metro. Tal como os supermercados, de livros ao
quilo. E as feiras de rua, de livros à grosa.
E bem sabemos como alguns deles são feitos:
escritores fantasma. Ou, e de acordo com a modernidade, de escritores virtuais,
como os amigos. Gente que dá a pena ou o teclado, que engendra uma trama em
torno de alguns factos, que usa de algumas frases feitas, de permeio com
algumas originais, e cujo nome aparece, quase que por acaso, na ficha técnica
do livro. Tendo por sonante o pseudo-autor.
Um pouco com o que se passa com a
fotografia, por cá.
A fotografia está na moda e é-se alguém se
se fizer fotografia.
Mas dá muito trabalho e consome muito
tempo, o ir para a rua procurar os assuntos. Ou saber lidar com a luz que o São
Pedro nos disponibiliza, por vezes avaro de quantidade e qualidade. Tal como o
saber ver não se aprende em workshops de fim-de-semana. Nem vem nos manuais das
câmaras, tantas vezes recusados.
Mas se está na moda há que aproveitar. Vai
daí, gente expedita promove “eventos”. Situações controladas, de assunto e luz,
por vezes exóticas nos conteúdos ou lugares. E, por uma módica quantia, pode-se
fotografar o que ali é exibido. Muitas e em
condições raras, que servirão de troféu netiano para mostrar o “Quão bem
eu fotografo”.
Não viram, não exploraram, não imaginaram,
não interpretaram, limitaram-se apontar a câmara para o que lhes era mostrado.
Estes promotores de eventos são como os
escritores fantasma: fazem todo o trabalho, na sombra e sem glória. Para que
outros brilhem e se vangloriem.
Quem me propôs escrever um livro nem
desconfia (suponho) o que é estar em frente a uma folha ou ecrã em branco, com
tudo cá dentro mas sem fazer ainda sentido. Ou o que é andar dias a olhar para
folhas de árvore até encontrar a forma, cor e luz que traduza o que sentimos.
Ou ainda sair para um qualquer acontecimento público para o fotografarmos e
regressar dizendo de nós para nós “hoje não senti aquilo”.
Um livro, minha amiga (que se tratava de
uma senhora), não se faz porque nos dizem que tem que ser. Um livro, ou uma
fotografia, faz-se porque o sentimos, porque fez sentido cá dentro, porque
fazê-lo é responder a uma ordem interna.
Quanto ao resto, é como nos supermercados e
nos eventos: a metro, ao quilo ou à grosa, lado a lado com bifes, bolachas e
papel higiénico.
By me
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