quinta-feira, 26 de março de 2015

Ares





Porque me pediram a opinião sobre um conjunto de fotografias, acabei por “dar ao dedo” e escrevinhar o que abaixo se encontra. Talvez que, para muitos, seja mais que sabido. Mas talvez que para alguns seja novidade.

Brincadeira que costumo fazer, quando estou com um grupo de gente e estamos a falar de imagem, composição, estética, comunicação… essas coisas. E isto tanto é válido em ambientes formais como em informais.
Tento descrever uma situação hipotética: um trajecto no metro. O centro da cidade, véspera de Natal, fim da tarde. As composições vão à pinha, entre gente e embrulhos bonitos, dentro ou fora de sacos.
E peço aos presentes que simulem estar na mesma carruagem nessas circunstâncias: de pé, agarrados aos varões, chocalhando ou não.
E, enquanto eles mimam situação, eu ralho com eles: é garantido que, nas condições descritas, não vão ter todo aquele espaço entre eles. E insisto que reproduzam o que supõem que aconteça, todos bem encostadinhos uns aos outros, no aperto de uma carruagem de metro super apinhada.
Aqui fazem-no e o resultado é o esperado, que trato de lhes fazer notar: por muito próximos que estejam, corpo com corpo, é certo e sabido que voltam a cara para o lado, garantindo uns vinte centímetros livres em frente do nariz. Mesmo que fiquem com ele apontado para o ombro.
Passada a brincadeira e o momento de aperto, explico-lhes sem mais delongas: todo o ser vivo (e até os objectos inanimados) têm um espaço próprio, que lhes pertence. Espaço esse que é sagrado e cuja intrusão ou é consentida (afago, maquilhagem, dentista…) ou é considerado uma agressão, que se evita.
Por outro lado, pouco nos importa o espaço que exista nas costas. Mais perto ou mais longe, e a menos que haja uma eventual situação de perigo, não lhe damos importância alguma.
A este espaço próprio damos o nome de “ar”. O “ar” que cada um necessita para respirar ou existir.
Na feitura de imagem, animada ou não, este espaço ou ar deve ser respeitado. Entenda-se, no entanto que o termo “deve” é relativo: pode não ser respeitado, sendo que mesmo isso tem significado.
Em termos práticos, imagine-se alguém de perfil. Com pouco espaço em frente do nariz, igual ou inferior ao que tenha atrás da cabeça, e haverá uma sensação de aperto, de abafamento, de falta de ar. Mas bastará que lhe seja dado mais ar em frente do nariz e logo passará a ter uma espécie de conforto.
O mesmo se passa com objectos. Inanimados ou não. Ver um ciclista em andamento com mais ar atrás que à frente e a interpretação que será dada, as mais das vezes, será a de que irá “estampar-se” na berma do enquadramento. Por outro lado, em tendo mais ar à sua frente, sentiremos
que está andar e que está tudo bem.
Mesmo um objecto inanimado necessita de ar. Uma cadeira, por exemplo, é usada pela frente, pelo lado oposto às costas. E, a menos que haja alguma mensagem meio escondida, se quisermos dar conforto a essa cadeira, haverá que respeitar esse espaço à frente da cadeira. Tal como um copo, com espaço acima, do lado da boca e não em baixo, na base.
Não há fórmulas absolutas nem regras inquebráveis. Há, antes sim, a necessidade de o produtor de imagem saber como ela é interpretada pelo público em geral e agir em conformidade. Presumindo que o objectivo da imagem é comunicar, agradando de algum modo a quem veja o trabalho.
Na sequência disto – de tudo ter um “ar” que lhe é próprio - acaba-se por chegar à conclusão que o centro da imagem será, talvez, o local menos “certo” para colocar algo. A menos, claro, que o “ar” em causa seja direccionado para a objectiva e que mais nada exista em redor que necessite de equilíbrio.

Em termos de exercício ou brincadeira, peguem num qualquer objecto. Pequeno ou grande, amovível ou não. Estudem-no ou analisem-no de modo a perceber de que lado e como é usado. E fotografem-no diversas vezes, umas respeitando esse “ar” outras negando-o.
De seguida, consultem gente que não sabe do exercício e questionem-nos sobre qual das imagens é mais agradável, mais tranquila, mais estável. Ou, de outra forma, confrontem-nos com quatro ou cinco imagens e peçam para que escolham uma, justificando se possível.
Talvez que cheguem a algumas conclusões elucidativas de como as imagens são lidas em geral e de como podemos, quebrando o normal, conduzir o espectador a leituras e emoções controladas por nós.

Os meus cinco cêntimos

By me

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