domingo, 1 de março de 2015

Imagem com tampa





O texto que se segue remonta a 2008.
Na altura, a assunto foi razoavelmente falado nos jornais, nas TVs, nos cafés.
Depois, como tudo o mais, caiu no olvido, que outras notícias vieram tornar esta velha.
Aqui deixo o tema e o texto como o escrevi então, com a única ressalva de omitir nomes de pessoas e instituições. Passados sete anos, importa o assunto e não quem o protagonizou.
No entanto, parece-me que seria curioso saber até que ponto este episódio infeliz influiu na vida dos que o viveu: a professora, a aluna do telemóvel e quem o gravou e divulgou.


E o rapaz do vídeo sempre foi punido com a sanção máxima: a mudança compulsiva de escola!
Eu não me queria pronunciar sobre o tema. A este respeito já muito foi dito e feito e nem sempre o mais acertado. Mas há um aspecto que ainda não vi debatido: ética e juventude!

Na sociedade em que vivemos, afirmarmo-nos como o melhor é uma necessidade. Não tanto por aquilo que efectivamente somos mas antes parecê-lo como tal aos olhos dos demais por atitudes ou posses. Não é muito importante o como o fazemos, mas desde que tenhamos um lugar bem definido entre os melhores, está tudo bem!
Fabricantes e comerciantes de artigos de consumo que não de primeira necessidade bem o sabem, e tentam convencer os potenciais clientes da importância dos seus produtos. De como sem eles não somos alguém digno de nota, marginais, anónimos, infelizes. Em particular no que se refere à electrónica e às tecnologias de informação e comunicação. Fotografia, vídeo, computadores, telemóveis e afins. Não há cão nem gato que não os tenha ou, em alternativa, que não faça do desejo de os possuir uma necessidade premente a satisfazer.
E, entre o público potencialmente consumidor, as camadas mais jovens são os que mais se deixam influenciar. E o alvo preferencial dos publicitários. Por um lado porque sempre desejosos de experimentar as novidades, de todos os tipos. Por outro, porque este, mais que qualquer outro grupo social, necessita de se afirmar: entre os seus iguais e entre os adultos. É aquilo a que se chama “ter um lugar ao sol”!

E as tecnologias surgem e evoluem mais depressa que os códigos sociais e éticos da sua utilização. Algo de novo é para ser usado intensivamente e até ao limite, antes que alguém diga que não se pode fazer ou que se transforme em obsoleto. As regras e códigos de conduta criados pelos adultos, na sua “sabedoria” e na necessidade que estes têm de impor restrições e condicionantes, são lentas a acompanhar estas mudanças.

É assim que, assistindo a uma situação insólita (confronto entre colega e professora) é difícil de resistir ao seu registo, possuindo o equipamento para tal e da moda (o telemóvel) e onde divulgar o inusitado evento (a internete).
Indo mais longe, a profissão de jornalista é hoje muito cobiçada, bem como a de repórter de imagem. É o que denuncia, é o que investiga, é o que comunica, é o herói das TV’s, que se exibe, que vai a lugares estranhos, que lida de igual para igual com figuras púbicas e de destaque.
Poder “brincar aos jornalistas” tendo a oportunidade e meio e não o fazer será, assim, contra-natura!

Claro que as questões éticas sobre esta questão existem. Mas, para quem?
Um jornalista ou repórter, se estivesse no local, certamente faria o mesmo registo. Portanto, porque não o jovem?
Dirão que ele não o poderia fazer, que há códigos de como e quando se podem fazer imagens de terceiros e de como e onde se podem exibir.
Mas… será que ele está informado, que conhece os códigos de conduta e dos limites de quem exerce o ofício? E será que quem exerce o ofício de jornalista ou repórter de imagem respeita as éticas e se coíbe de registar imagens em local não público e sem autorizações? Onde termina o que é permitido a um jornalista ou repórter de imagem e onde começa o que é interdito a qualquer outro cidadão?

No caso daquela escola e das imagens captadas e divulgadas, tivemos uma adolescente, de 15 anos, que além de um acto de indisciplina teve um ataque de histeria perante a confiscação do telemóvel.
Tivemos também uma professora que não soube lidar com a situação e que deixou que uma disputa com a aluna passasse a confronto físico e a indisciplina generalizada na sala de aula.
Mas também tivemos o caso de um rapaz de 15 anos que fez o que vê fazer às figuras de referência dos tempos que correm, provavelmente sem nunca ter ouvido falar ou ter sido sensibilizado para a ética da recolha e divulgação de imagens.

Os códigos de conduta não são inatos. Surgem das relações no grupo. E é na vivência do jovem – humano ou não – que estes códigos são aprendidos.
É papel da escola, em paralelo com a família, fazer passar estes códigos, fazer com que o aprendiz aprenda o que lhe é permitido, o que lhe é interdito, a tomar decisões e fazer julgamentos nas situações não aprendidas. Tudo isto quer seja por conversas orientadas, quer seja na sequência de situações vividas.
Mas a escola não forma os jovens para o uso e para a ética da imagem. Ainda que esta seja a rainha dos tempos que correm, não lhes é dada a formação para com ela lidar enquanto produtor ou consumidor.
Assim, como seria possível que este rapaz soubesse que não poderia ou não deveria registar um acto insólito acontecido num espaço a que se habituou a chamar de seu: a sala de aula?
A sanção que lhe foi aplicada não só é descabida como injusta. E desproporcionada. Porque o erro, em havendo-o, não é dele mas de todos nós. Que lhe pusemos ferramentas nas mãos mas não lhe explicámos até onde poderia ir com elas.

A escola, como parte da sociedade, deveria usar este caso não para punir os intervenientes, mas antes para repensar qual o seu próprio objectivo e método.
Porque se é para preparar os jovens para a vida adulta activa, há que o fazer com as tecnologias actuais e com as éticas adequadas. E fazer adaptar estas àquelas. E não apenas como um repositório de conhecimentos tecnicamente correctos mas eticamente vazios.

Por vezes, há que saber pôr a tampa na objectiva!

By me

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