A história que a seguir
conto aconteceu algures em 2009 ou 2010.
Dela só posso
afiançar com rigor o que vi e as conversas que tive. O resto foi por ouvir
dizer, no próprio dia ou nos seguintes.
Mas daquilo que
ouvi, pessoas e detalhes nos relatos, tenho-o por ser verdade, mesmo sem provas
reais.
Eu estava no
Jardim da Estrela, com a minha câmara “À-Lá-Minuta” montada, cadeira e demais
artefactos. Vi-os chegar na minha direcção e, pelo passo decidido que tinham,
pensei naturalmente que iria ter mais clientes.
Mas, à medida que
a distância encurtava e lhes fui percebendo os semblantes, percebi que não, que
de outra coisa se trataria. Ela vinha chorosa e ele, um garoto pequeno, de cara
fechada, no chão. E quando a conversa se tornou possível, perguntou-me ela se
eu teria visto ou sabido de uma carteira com dinheiro e documentos perdida ali
pelo Jardim.
Infelizmente, não
tinha nem boas nem más notícias para lhes dar, que de nada sabia, mas
deixei-lhes a certeza que, em sabendo de algo, deixaria recado na esplanada.
E partiram, com os
olhares perscrutadores, cheios de uma esperança atraiçoada por uma certeza.
Já ao finzinho do
dia, cruza-se comigo uma outra senhora, bem mais velha, das que comigo ali
davam dois dedos de conversa, por vezes mais. E conta-me a história toda, ainda
que lha não tenha perguntado:
A senhora terá
entregue a carteiro ao filho para que ele fosse comprar um gelado. Comprar e
comê-lo sobe-o ele, agora recolher a carteira que havia pousado no degrau onde
se havia sentado é que não, pelo que por lá ficou, perdida para a sua dona,
achada por alguém que não se deu por achado.
E eles, que
viveriam para os lados de Almada, não só ficaram sem os documentos e o que isso
significa, como mesmo sem meios de poderem regressar a casa.
No périplo que
foram dando, dentro e fora do Jardim, acabaram por ir perguntar numa porta
discreta, mesmo ao lado da porta principal da basílica da Estrela. Fica aí sediada
a Fundação “Pró Dignitate”, presidida por Maria Barroso, a mulher de Mário
Soares. E estaria ela a sair, sabe-se lá para onde, e ouviu a demanda de mãe e
filho, junto do porteiro. Das duas ou três perguntas que lhe terá feito, uma
foi exactamente se tinham como regressar a casa, morando onde moravam. E sendo
a resposta negativa, terá aberto a sua carteira e dela tirado uma nota de
cinquenta euros que lhes deu, para as primeiras necessidades. Assim,
anonimamente e quase sem testemunhas, que não as vítimas e o porteiro que lhe
estaria a segurar na porta.
Como disse no
início, da veracidade da história só posso afiançar as conversas que tive. O
resto, foi por ouvir contar. Mas quem ma contou, tanto a minha conhecida como
na esplanada, não me deram indícios de ser mais uma daquelas fábulas que por aí
circulam.
E sendo verdade
como creio ser, só me leva uma vez mais a alimentar a certeza de que a
cidadania e solidariedade é isto mesmo: o que é preciso, quando é preciso, e
sem alardes ou repórteres pelo caminho.
E, como diz alguém
que conheço, “Viva quem faz!”
By me
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