quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Viva quem faz





A história que a seguir conto aconteceu algures em 2009 ou 2010.
Dela só posso afiançar com rigor o que vi e as conversas que tive. O resto foi por ouvir dizer, no próprio dia ou nos seguintes.
Mas daquilo que ouvi, pessoas e detalhes nos relatos, tenho-o por ser verdade, mesmo sem provas reais.

Eu estava no Jardim da Estrela, com a minha câmara “À-Lá-Minuta” montada, cadeira e demais artefactos. Vi-os chegar na minha direcção e, pelo passo decidido que tinham, pensei naturalmente que iria ter mais clientes.
Mas, à medida que a distância encurtava e lhes fui percebendo os semblantes, percebi que não, que de outra coisa se trataria. Ela vinha chorosa e ele, um garoto pequeno, de cara fechada, no chão. E quando a conversa se tornou possível, perguntou-me ela se eu teria visto ou sabido de uma carteira com dinheiro e documentos perdida ali pelo Jardim.
Infelizmente, não tinha nem boas nem más notícias para lhes dar, que de nada sabia, mas deixei-lhes a certeza que, em sabendo de algo, deixaria recado na esplanada.
E partiram, com os olhares perscrutadores, cheios de uma esperança atraiçoada por uma certeza.
Já ao finzinho do dia, cruza-se comigo uma outra senhora, bem mais velha, das que comigo ali davam dois dedos de conversa, por vezes mais. E conta-me a história toda, ainda que lha não tenha perguntado:
A senhora terá entregue a carteiro ao filho para que ele fosse comprar um gelado. Comprar e comê-lo sobe-o ele, agora recolher a carteira que havia pousado no degrau onde se havia sentado é que não, pelo que por lá ficou, perdida para a sua dona, achada por alguém que não se deu por achado.
E eles, que viveriam para os lados de Almada, não só ficaram sem os documentos e o que isso significa, como mesmo sem meios de poderem regressar a casa.
No périplo que foram dando, dentro e fora do Jardim, acabaram por ir perguntar numa porta discreta, mesmo ao lado da porta principal da basílica da Estrela. Fica aí sediada a Fundação “Pró Dignitate”, presidida por Maria Barroso, a mulher de Mário Soares. E estaria ela a sair, sabe-se lá para onde, e ouviu a demanda de mãe e filho, junto do porteiro. Das duas ou três perguntas que lhe terá feito, uma foi exactamente se tinham como regressar a casa, morando onde moravam. E sendo a resposta negativa, terá aberto a sua carteira e dela tirado uma nota de cinquenta euros que lhes deu, para as primeiras necessidades. Assim, anonimamente e quase sem testemunhas, que não as vítimas e o porteiro que lhe estaria a segurar na porta.

Como disse no início, da veracidade da história só posso afiançar as conversas que tive. O resto, foi por ouvir contar. Mas quem ma contou, tanto a minha conhecida como na esplanada, não me deram indícios de ser mais uma daquelas fábulas que por aí circulam.
E sendo verdade como creio ser, só me leva uma vez mais a alimentar a certeza de que a cidadania e solidariedade é isto mesmo: o que é preciso, quando é preciso, e sem alardes ou repórteres pelo caminho.
E, como diz alguém que conheço, “Viva quem faz!”

By me

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