Não sei como
acontece com os outros, mas posso explicar como acontece comigo.
Nesta minha rotina
diária de usar texto e imagem, conjugados e dependentes como a mão esquerda e a
direita, não há definição específica sobre qual a que surge primeiro.
Por vezes é o
texto, com as suas ideias chave a desenvolverem-se-me no interior e, ainda
antes de tomarem forma, vejo a imagem que lhe corresponde. Qual a que é
materializada primeiro depende das condições do momento: “tenho tudo pronto para
a fotografia?”, “tenho a certeza do princípio, meio e fim do texto para saber
se a imagem é suficientemente explícita?”, “faço uma original, tal como a
imaginei, ou opto por reproduzir alguma que já fiz em tempos?”, “as ideias e
palavras estão prontas ou espero pelo imagem?”… São muitas as variáveis nas
precedências.
Outras vezes é a
imagem que desencadeia o processo de escrita. Vejo à minha frente ou dentro de
mim a fotografia, faço-a e trato-a e só depois me preocupo em usar o teclado ou
a caneta para dar forma aos pensamentos ainda incipientes que me surgiram. Não
poucas vezes o resultado escrito pouco tem a ver com os pensamentos originais,
que me deixo levar com as palavras orbitando em torno de uma fotografia já
feita.
Outras ainda é o
inverso: sei bem o que quero escrever, vou construindo ideias e frases cá
dentro ou já num suporte e deixo para o fim a imagem que o acompanhará. Sei os
tópicos visuais que quero usar, mas o como não está decidido.
Há ocasiões em que
fico à nora. Sei o assunto de que quero falar, mas nem as imagens nem as
palavras formaram sentido cá dentro. Então deixo-me ficar sem tomar decisões ou
agir, olhando em redor dentro ou fora de casa à espera que o meu olhar se
prenda num objecto ou situação ou luz que sirva de arranque a tudo o resto. Por
vezes recordo-me de algo que está guardado numa caixa encafuada no fundo da
dispensa, outras é uma perspectiva ou luz que faz haver sentido no que está
baralhado, outras ainda é um som ou movimento que coloca tudo em marcha. Nestas
ocasiões, pouco importa o que faço primeiro: se as ideias passaram a fazer
sentido, a imagem e o seu construir com a objectiva e computador dará rumo
certo ao que escreverei; ou, ao invés, serão as palavra chave ou ideia forte
que condicionará as opções fotográficas, tanto na técnica como na oportunidade.
Mas há partos
difíceis. Mesmo difíceis.
Ocasiões há em que
tenho a necessidade ou obrigação de me debruçar sobre um dado assunto. Sei que
há gente que espera que o faça ou sei que é imperioso que me faça ouvir, ou
houve quem mo pedisse.
Mas acontece que
nem sempre tenho certezas do como o fazer. Sei o quê mas não sei o como.
Escrito ou fotografado.
Nessas ocasiões as
ideias ficam a marinar cá dentro, numa espécie de discurso interior um sem
número de vezes repetido e corrigido nas palavras e sequência, a cada uma delas
acrescentando, suprimindo ou ajustando conceitos e objectivos. Ou visualizando
cores, luzes, formas, na esperança que me forneçam a pista necessária. Por
vezes são dias de ansiedade, sem encontrar solução.
Em desespero de
causa, recorro a um de dois truques cá muito meus.
Se estou em casa,
o banho. Técnica pouco ecológica, já que nessas ocasiões abuso do tempo e
temperatura do duche, só dele saindo quando consigo sair da fase menos que
embrionária para um esboço já concreto. E é comum sentar-me ao teclado ou pegar
na caneta com o cabelo ainda pingão, numa pressa ou fúria antes que puzle se
desmanche cá dentro.
Se estou na rua,
procuro um restaurante. Sempre um daqueles que conheço, de preferência um fast-food
onde não há surpresas no palato e onde tenha espaço para colocar o caderno ou
computador. E enquanto vou cortando, mastigando ou bebendo, a página em branco
vai-se enchendo de caracteres, começando a fazer sentido a sua sequência. Não é
raro o ou a empregada ficarem a olhar para mim quando peço um segundo ou mesmo
um terceiro café, só para que o processo de engolir e a ocupação da mesa não se
interrompam. Tal como não é raro o eu ficar a deambular por perto do
restaurante escolhido, num quase desespero para que abra aos clientes e eu
possa, mais que comer, escrever. Tal como não seria original o eu sair de casa
a meio da tarde, apanhar o comboio lá ao fundo e fazer uma viagem de uma meia
hora no suburbano só para poder ir àquele restaurante em particular, onde sei
conseguir escrever.
Nestas ocasiões, a
imagem vem durante ou depois. Enquanto as peças se vão grafando no papel ou
ecrã, por vezes não as estou a ver como são, transfigurando-se em impulsos
lúmicos, formas estranhas, perspectivas impossíveis, rebuscando a memória para
que surja a tal imagem que fará a diferença no que estou a escrever. E é
frequente refazer a escrita, no todo ou em parte, quando essa imagem toma forma
interior ou mesmo num suporte digital. As ideias estão lá e com a mesma organização,
mas a introdução ou o desfecho ajustam-se à imagem criada.
Sei que isto nada
tem de especial ou original.
É frequente, lá
onde trabalho, ver um ou uma levantar-se da sua mesa, com calma, subir as
escadas com igual calma, passar pela máquina do café e ir para o fumódromo. Aí,
de pé ou com o rabo assente nos degraus das escadas, ficar a olhar para uma
folha de rabiscos ou mesmo em branco. Ou, por vezes com o olhar pespegado
algures acima das nuvens. E, de súbito, sair correndo de volta à mesa, atirando
fora o cigarro a meio ou deixando arrefecer o café não bebido ali, no degrau.
Conhecemos todos
estes sinais e procuramos não interferir, mesmo partilhado o fumódromo e a fila
p’ro café.
A grande vantagem
que tenho neste processo criativo ou parto difícil, é não ter constrangimentos
espacio-temporais e os únicos limites de conteúdo ou forma são os que eu mesmo
decido.
By me
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