quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Uma imagem, mil palavras





Não sei como acontece com os outros, mas posso explicar como acontece comigo.
Nesta minha rotina diária de usar texto e imagem, conjugados e dependentes como a mão esquerda e a direita, não há definição específica sobre qual a que surge primeiro.
Por vezes é o texto, com as suas ideias chave a desenvolverem-se-me no interior e, ainda antes de tomarem forma, vejo a imagem que lhe corresponde. Qual a que é materializada primeiro depende das condições do momento: “tenho tudo pronto para a fotografia?”, “tenho a certeza do princípio, meio e fim do texto para saber se a imagem é suficientemente explícita?”, “faço uma original, tal como a imaginei, ou opto por reproduzir alguma que já fiz em tempos?”, “as ideias e palavras estão prontas ou espero pelo imagem?”… São muitas as variáveis nas precedências.
Outras vezes é a imagem que desencadeia o processo de escrita. Vejo à minha frente ou dentro de mim a fotografia, faço-a e trato-a e só depois me preocupo em usar o teclado ou a caneta para dar forma aos pensamentos ainda incipientes que me surgiram. Não poucas vezes o resultado escrito pouco tem a ver com os pensamentos originais, que me deixo levar com as palavras orbitando em torno de uma fotografia já feita.
Outras ainda é o inverso: sei bem o que quero escrever, vou construindo ideias e frases cá dentro ou já num suporte e deixo para o fim a imagem que o acompanhará. Sei os tópicos visuais que quero usar, mas o como não está decidido.
Há ocasiões em que fico à nora. Sei o assunto de que quero falar, mas nem as imagens nem as palavras formaram sentido cá dentro. Então deixo-me ficar sem tomar decisões ou agir, olhando em redor dentro ou fora de casa à espera que o meu olhar se prenda num objecto ou situação ou luz que sirva de arranque a tudo o resto. Por vezes recordo-me de algo que está guardado numa caixa encafuada no fundo da dispensa, outras é uma perspectiva ou luz que faz haver sentido no que está baralhado, outras ainda é um som ou movimento que coloca tudo em marcha. Nestas ocasiões, pouco importa o que faço primeiro: se as ideias passaram a fazer sentido, a imagem e o seu construir com a objectiva e computador dará rumo certo ao que escreverei; ou, ao invés, serão as palavra chave ou ideia forte que condicionará as opções fotográficas, tanto na técnica como na oportunidade.
Mas há partos difíceis. Mesmo difíceis.
Ocasiões há em que tenho a necessidade ou obrigação de me debruçar sobre um dado assunto. Sei que há gente que espera que o faça ou sei que é imperioso que me faça ouvir, ou houve quem mo pedisse.
Mas acontece que nem sempre tenho certezas do como o fazer. Sei o quê mas não sei o como. Escrito ou fotografado.
Nessas ocasiões as ideias ficam a marinar cá dentro, numa espécie de discurso interior um sem número de vezes repetido e corrigido nas palavras e sequência, a cada uma delas acrescentando, suprimindo ou ajustando conceitos e objectivos. Ou visualizando cores, luzes, formas, na esperança que me forneçam a pista necessária. Por vezes são dias de ansiedade, sem encontrar solução.
Em desespero de causa, recorro a um de dois truques cá muito meus.
Se estou em casa, o banho. Técnica pouco ecológica, já que nessas ocasiões abuso do tempo e temperatura do duche, só dele saindo quando consigo sair da fase menos que embrionária para um esboço já concreto. E é comum sentar-me ao teclado ou pegar na caneta com o cabelo ainda pingão, numa pressa ou fúria antes que puzle se desmanche cá dentro.
Se estou na rua, procuro um restaurante. Sempre um daqueles que conheço, de preferência um fast-food onde não há surpresas no palato e onde tenha espaço para colocar o caderno ou computador. E enquanto vou cortando, mastigando ou bebendo, a página em branco vai-se enchendo de caracteres, começando a fazer sentido a sua sequência. Não é raro o ou a empregada ficarem a olhar para mim quando peço um segundo ou mesmo um terceiro café, só para que o processo de engolir e a ocupação da mesa não se interrompam. Tal como não é raro o eu ficar a deambular por perto do restaurante escolhido, num quase desespero para que abra aos clientes e eu possa, mais que comer, escrever. Tal como não seria original o eu sair de casa a meio da tarde, apanhar o comboio lá ao fundo e fazer uma viagem de uma meia hora no suburbano só para poder ir àquele restaurante em particular, onde sei conseguir escrever.
Nestas ocasiões, a imagem vem durante ou depois. Enquanto as peças se vão grafando no papel ou ecrã, por vezes não as estou a ver como são, transfigurando-se em impulsos lúmicos, formas estranhas, perspectivas impossíveis, rebuscando a memória para que surja a tal imagem que fará a diferença no que estou a escrever. E é frequente refazer a escrita, no todo ou em parte, quando essa imagem toma forma interior ou mesmo num suporte digital. As ideias estão lá e com a mesma organização, mas a introdução ou o desfecho ajustam-se à imagem criada.

Sei que isto nada tem de especial ou original.
É frequente, lá onde trabalho, ver um ou uma levantar-se da sua mesa, com calma, subir as escadas com igual calma, passar pela máquina do café e ir para o fumódromo. Aí, de pé ou com o rabo assente nos degraus das escadas, ficar a olhar para uma folha de rabiscos ou mesmo em branco. Ou, por vezes com o olhar pespegado algures acima das nuvens. E, de súbito, sair correndo de volta à mesa, atirando fora o cigarro a meio ou deixando arrefecer o café não bebido ali, no degrau.
Conhecemos todos estes sinais e procuramos não interferir, mesmo partilhado o fumódromo e a fila p’ro café.
A grande vantagem que tenho neste processo criativo ou parto difícil, é não ter constrangimentos espacio-temporais e os únicos limites de conteúdo ou forma são os que eu mesmo decido. 

By me

Sem comentários: