sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Homem-estátua





Fotografar um “homem-estátua” é coisa estranha.
A sua actuação baseia-se na imobilidade ao longo do tempo e a fotografia é o imobilizar uma minúscula fracção de tempo. A fotografia de um “homem-estátua” dificilmente fará justiça ao seu trabalho.
Mas este despertou-me a curiosidade pela localização: em frente a um centro comercial. Longe, bem longe, dos locais habituais para este tipo de actuação e correspondente “cobrança” ao público.
Quedei-me um pouco a observar.
E achei graça aos seus trajes.
Identificados com coisa nenhuma, eram suficientemente largos para cobrir as roupas quentes que, obrigatoriamente, terá vestido por baixo. Consigo imaginar o cuidado no trabalho de costura no fazê-las, que farão referência não sei a quê, mas cujas linhas geométricas, aplicadas sobre a frente apenas, fazem um bom efeito.
A pintura facial primava por… escassa. Não sei se por poupança se por saúde, certo é que o tom de pele despontava sob ela, ficando nós na dúvida se será um branco rosado ou um rosa pálido.
Seja como for, fiquei a vê-lo um pouco, enquanto fumava um cigarro, e a constatar que usava da técnica de aliviar a imobilidade com movimentos de agradecimento, permitindo-lhe, com eles, mudar de pose. O normal.
O que já nada teve de normal foi o rapidíssimo episódio que assisti. Quase que inexistente.
Saindo do centro comercial, um homem vinha mexendo na sua carteira. E, de súbito, o “homem-estátua” levanta o seu braço direito, apontando de dedo em riste para o chão, e clama:
“Deixou cair ali uns papeis!”
A sua humanidade sobrepôs-se ao seu ganha-pão. E achei que este valia a pena.
Rebusquei uma moeda que valesse aquele trabalho, aproximei-me e, depois de a deixar cair na taça metálica a seus pés, perguntei-lhe em tom baixo:
“Aqui rende mais que na baixa?”
Muito pouco estátua, o homem rodou a cabeça e sorriu-me:
“Não, mas é muito mais tranquilo.”
Sorri também e afastei-me. O registo, fiz pouco depois, após o pedido do costume. E deixei-me ficar a observar como lhe corria o negócio, comparando-o com o que conheço lá no centro.
Nem um montão de gente a fazer um semi-círculo em redor, inibindo os passantes de contribuir, nem a concorrência de outros uns metros mais acima ou abaixo, nem o risco de passar algum e lhe levar a taça das moedas… Foi funcionando, apesar do frio, baseado no insólito da função e do lugar.
Espero que o São Pedro seja clemente e que abafe o vento e traga um solzinho para lhe aquecer os ossos. 

By me

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