Por vezes são os
ditames da sorte que nos conduzem às situações.
O dia acabou cedo.
Para aproveitar a respectiva luz, decidi ir de passeio para um bairro que
conheço desde a meninice. No deambular, dou comigo em frente ao café/restaurante
onde me encontro. De seu nome “Nova Bagdad”, tenho dele uma recordação indelével.
O meu caminho para
o liceu passava, de quando em vez, pela sua porta. Acontecia quando decidia
sair do autocarro umas paragens antes e fazer o resto do caminho a pé. Poupava,
com isso, uns trocos no preço do bilhete.
Pois antes das
oito da manhã, em frente a este café, faziam fila os garotos, novitos ou não
tanto, de um bairro de lata que havia na zona.
E a razão era
simples: aquele estabelecimento dava todos os bolos que sobravam da véspera.
Dava-os antes de abrir a porta aos clientes.
Duas coisas
aconteciam com isto: os clientes sabiam que ali só se vendiam bolos do dia,
frescos, e a criançada que não os podia comprar tinha uma ou duas guloseimas
garantidas.
Não consigo descer
ou subir esta avenida sem disto me lembrar, de um tempo em que não havia ASAEs
e quejandos e em que a solidariedade era real e prática.
Pois hoje não foi
diferente e, sentindo um ratito, decidi entrar e regalar-me com um dos seus
bolos, regado com um café cheio.
Na mesa ao lado
estão três velhotes, residentes aqui no bairro, à conversa no abrigo da loja,
no conforto de um cálice de Porto e no alívio de trocarem notícias do bairro. Muito
mais humano que as pesquisas na net e as pantalhas iluminadas.
Pois oiço um deles
comentar que um dos estabelecimentos de restauração e pastelaria mais antigos
do bairro irá fechar portas no final deste mês.
Doeu-me! Doeu-me
fundo no coração!
É mais um dos
sinais de retoma de que o nosso glorioso governo fala, certamente.
Ainda restam
alguns de outros tempos que, com maior ou menor modernidade, se foram
adaptando. Sabe-se lá com que sacrifício empresarial e laboral.
Mas este, além da
falta que fará, irá colocar mais unas dez a quinze pessoas no desemprego. O tal
índice que o nosso estimado governo diz estar a diminuir.
Ficarei sempre sem
saber se o país que eles governam será o mesmo em que vivo.
Em termos de gesto
final, creio que lá irei hoje, pela última vez, jantar.
Mesmo contra a
vontade e discursos de alguns bandalhos.
By me
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