segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Justificando



Num texto já com uns anos escrevi que usava uma objectiva 70/300 para retratos.
Alguém estranhou tal objectiva, de potente que eventualmente seja, e aqui irei explicar o porquê.

Uma das minhas preferências em fotografar desconhecidos é registar-lhes os olhos. Só os olhos.
Isso implica uma escala de reprodução muito razoável. O que significa:
- o usar uma objectiva pouco potente e fazê-lo de perto;
- o usar uma objectiva pouco potente, fazê-lo de mais longe e ampliar posteriormente;
- o usar uma objectiva potente.
No primeiro caso, fazê-lo de perto, obriga a uma perspectiva próxima, resultando muitas vezes num nariz abatatado. Além do mais, e tratando-se de desconhecidos ou desconhecidas que abordo nas ruas ou parques, essa proximidade é pouco relaxante, acabando por ser uma intromissão ou agressão.
No segundo caso, uma imagem mais larga e ampliação posterior, acaba por ser uma “mentira” ao fotografado. Não sendo fácil obter autorização para tal imagem, costumo garantir que será apenas uma fotografia dos olhos ou pouco mais. E costumo mostrar depois, para tranquilizar o modelo. Se fizer uma imagem de todo o rosto, com uma objectiva menos potente e a uma distância confortável, terei mentido, mesmo que só vá aproveitar os olhos.
O terceiro caso, uma objectiva potente e a uma distância de trabalho “simpática”, obsta aos inconvenientes anteriores.
Não significa isso que a use em “300” por vezes fico-me pelos “200” ou “250”.
Por outro lado, o andar “à caça de” olhos, com o que isso significa de abordagem a desconhecidos com sucesso, não é muito complacente com o mudar de objectiva no acto. Por vezes, a anuência é relutante e há que actuar antes que mude de ideias. A rapidez de acção é vital.
Mas há outro factor importante a considerar: o usar de uma razoável distância focal para um retrato só de rosto dá-me duas vantagens técnicas:
- Por um lado, o conseguir ter um fundo tão desfocado quanto possível. Sabemos que a profundidade de campo depende da abertura do diafragma mas também – e muito – da escala de reprodução. Fundo distante, objectiva potente e diafragma bem aberto são as condições ideais.
- Por outro lado, uma objectiva “potente”, com um pára-sol adequando, permite-me trabalhar com o sol bem baixo, quase no limite do enquadramento, sem provocar flares mas com uma iluminação de que gosto bastante.

A tudo isto some-se um outro factor: os preconceitos. Na cabeça de muita gente, uma câmara reflex com uma objectiva comprida é sinónimo de o seu portador ser um profissional, ficando mais de parte a timidez natural de ser fotografado por um desconhecido. Usar-se uma compacta ou uma reflex com uma objectiva pouco comprida dá muito menos credibilidade, independentemente de quem a está a usar e para que fim. Preconceitos estúpidos e, por vezes, perigosos, mas que existem. E sabemos que parte do “trabalho” de quem leva a fotografia mais a sério passa por relações públicas, muitas e boas relações públicas.

By me 

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