Quando cruzei o portão sabia para onde ia, só não tinha a certeza do itinerário: ou apanhava o
autocarro do lado de cá, mesmo que com uma volta maior, ou atravessava a
avenida e apanhava do outro lado, num trajecto mais rápido mas mais insípido.
Parei no passeio,
tentando tomar uma decisão.
De súbito o dia, já
de tarde e cinzento, iluminou-se, como se as luzes do estúdio se tivessem
acendido.
Na paragem do
outro lado, um catraio com uns 6 ou 7 anos sorria como ninguém, apontando para
o meu lado e puxando a manga da mulher, talvez que a sua mãe. E sorria e
saltava, apontando e puxando.
As dúvidas
desfizeram-se: atravessaria a avenida, na passagem superior!
Sem pressas, que o
dia fora longo e duro, lá subi de um lado, desci do outro e aproximei-me da
paragem, com o respectivo telheiro.
O garoto não foi
de modas, aquando da minha chegada:
“O senhor é o Pai
Natal? É?”
Olhei para ele, de
cara meio séria, e olhei para a mãe, que sorria meio envergonhada, talvez que
sem saber como reagiria eu.
Olhei de novo para
ele e perguntei, sério:
“Estou vestido de
vermelho? Tenho um barrete encarnado? Tenho as botas calçadas?”
Varreu-me com os
olhos e, ainda sorrindo, respondeu:
“Não, não tem.”
“Então hoje não
sou o Pai Natal. Hoje não sou.”
O sorriso
rasgou-se, qual farol na noite. Tal como a mãe, que me pareceu soltar como que
um suspiro de alívio, mas com o ruído dos carros não garanto.
E o miúdo acrescentou:
“Sabe? Tenho-me
portado bem. Faço os trabalhos da escola, ajudo a mãe na cozinha, arrumo o meu
quarto… Tenho-me portado bem.”
“Tens cara disso”,
respondi enquanto a mãe me sorria. “Tens cara disso”
Entretanto o
autocarro chegou e fiz-lhe sinal. Quando começava a subir, ouvi-o pedir:
“Ponha-me na lista
dos que se portam bem, sim.”
Não resisti: Antes
que a porta se fechasse rodei e recomendei:
“Continua assim
que não me esqueço.”
O que ele
continuou a sorrir e a puxar pela manga da mãe, enquanto nos afastávamos,
compensou os segundos extra de paragem.
Pelo menos
deduzi-o pelo sorriso igualmente rasgado que o motorista me lançou.
Quando deixamos de
sonhar, a vida deixa de valer a pena!
By me
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