De uma forma ou de
outra, creio que todos aqueles que fizeram o velho “Inter Raill” têm estórias
para contar. Eu não sou excepção.
A uma semana de
terminarem as férias, no meio de França, fiquei sem 100 Francos. Não sei se
perdidos se roubados. Certo é que eram o que eu usaria para o tempo que me
restava, pelo que fiquei naquilo a que se pode chamar “estado de penúria”.
Rumei a Paris,
verifiquei o que havia de composições regionais que me levassem de regresso a
casa (os expresso estavam fora de questão, que implicavam suplementos), paguei
o que haveria de pagar para o meio bilhete do território Português, abasteci-me
de tabaco para os três dias de viagem que se anteviam e, dos trocos sobrantes,
ataquei a máquina dos chocolates. Três dias com esta dieta não será o mais
recomendável, mas quem pensa nisso nessas circunstâncias?
E lá fui, em
composições ronceiras e lentas, atravessando meia França e Espanha sob o sol
abrasador finais de Julho, que então ar condicionado só para primeira classe.
Pela tardinha do
segundo dia surge o enésimo revisor que, meio a sorrir, meio de cara séria, nos
informou que não poderíamos seguir para Lisboa, que os comboios portugueses
estavam de greve. Imagine-se como fiquei, sem dinheiro ou comida, na
perspectiva de ficar a meio da noite na fronteira e sem saber como ou quando
haveria de chegar a Lisboa.
Mas pior que eu
estava uma mocinha que conhecera nos entretantos: da minha idade, mais coisa,
menos coisa, era Cabo-verdiana e não falava nada de português ou Castelhano.
Apenas Criolo e um pouco de Francês. Foi nessa língua que lhe expliquei a
situação e foi nessa língua que lhe afirmei que alguma coisa se haveria de
resolver. (Nada enche mais o ego de alguém aflito que ajudar quem estiver ainda
mais aflito!)
Cruzámos a
fronteira a pé, nós dois e mais as muitas dezenas de viajantes nas mesmas
condições e, já na estação portuguesa, fomos informados, no meio de grande
confusão, que pelas quatro da manhã haveria de chegar o Sud Express vindo de
Paris, para o qual haveria camionetas para Lisboa e Porto. Se quiséssemos
esperar…
Claro que
esperámos, mas o problema era mesmo a fome, que para comer já nada havia. Ainda
tentei trocar as poucas moedas francesas que me sobravam, mas só aceitavam
notas.
Recorri então aos
trocos portugueses, guardei a bom recato o necessário para o autocarro em
Lisboa, e do restante tratei de providenciar um jantar para dois.
Num tasco, aberto toda
a noite, comprei uma lata de sardinhas e um pacote de bolachas, torradas se a
memória me não falha. Tudo regado com água de um fontanário, daqueles de latão
e torneira como já vão sendo raros de encontrar, e bebido no púcaro de alumínio
que me ia fazendo as vezes de copo. No final, o mesmo púcaro serviu para fazer
chá, que disso ainda tinha na mochila, fervido no fogão que trazia.
Garanto que nenhum
chef Gourmet dos tempos de hoje nos poderia ter satisfeito tanto quanto aquele
jantar, sob as estrelas e as espaçadas luzes de um minúsculo jardim lá
existente.
À hora prevista,
com os atrasos normais dos Tugas, lá embarcámos nas camionetas e, meio a dormir
meio acordados, chegámos a Lisboa, onde a entreguei, lavada em lágrimas, à tia
que em Santa Apolónia a esperava, igualmente de cara molhada (há trinta e tal
anos não havia telemóveis, ok?).
Terá este resto de
lata de conservas uma estória parecida?
By me
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