O
Homem é gregário! Sobre isto não sobram dúvidas. É-o para procurar a força que
o grupo dá e para encontrar a segurança que o grupo oferece. E, acessoriamente,
é-o porque o Homem é uma animal que comunica e necessita de um igual para
comunicar.
Mas
o Homem necessita também de se afirmar no grupo em que se insere. Afirma-se
como pertencendo ao grupo e afirma-se como alguém especial no grupo.
Pouco
importa que este grupo seja no campo da política, do desporto, da religião ou
filosofia ou das artes. Ele diz que é adepto de, praticante de, crente em e, ao
dizê-lo, procura os adeptos de, os praticantes de, os crentes em com os quais
se identifica e com quem pode partilhar interesses.
Mas
também diz que é o maior adepto de, o melhor praticante de, o mais fervoroso
crente em. E fazem-se competições, avaliações, demonstrações para provar que
não só se pertence ao grupo como, dentro dele, se é especial.
Mas
há uma outra forma de grupo com a respectiva identificação e consequente
tentativa de afirmação no seu seio: a posse! A posse de bens móveis ou imóveis
define grupos de possuidores. E o gosto pela posse do possuído ou pela sua
utilização. E a evidência do indivíduo no meio do grupo de possuidores é
aferida pelas qualidades do que se possui: a maior biblioteca, o melhor carro,
o luxo da dómus, a tecnologia.
No
caso da fotografia sucede o mesmo.
Podem-se
considerar dois, talvez três tipos de grupos: os que gostam de ver fotografia e
os que gostam de fazer fotografia.
A
afirmação individual dentro do primeiro grupo passa pelo conhecimento que se
tem sobre autores, técnicas, estéticas e história e pela posse de documentação
sobre isso. Quantidade e qualidade: muitos livros, muitas fotografias,
trabalhos de mestres, obras de mestres.
Já
a identificação e afirmação no grupo dos que fazem fotografia se pode dividir
em dois sub-grupos: os que possuem os meios técnicos de a fazer e os que
possuem qualidade no que fazem.
Nota
intercalar:
A
fotografia de Daguérre, tal como a imprensa de Gutemberg, pode ser – e são –
considerados marcos na história da comunicação e do desenvolvimento da
humanidade. E se a imprensa veio substituir o trabalho elaborado e elitista dos
copistas, fazendo com que a mensagem por códigos-padrão (escrita) fosse
acessível a todos e em todos os lugares, a fotografia veio “paralelizar-se” com
a pintura no acesso à mensagem gráfica sem códigos-padrão (imagem).
Simplificou
os processos de produção da imagem, passando a ser possível a qualquer um a sua
produção e globalizou o seu consumo, passando a ser possível um sem número de
exemplares, fiéis entre si, todos originais (ao invés da pintura), e fora dos
museus e galerias privadas.
Indo
mais longe, e com a simplificação das técnicas fotográficas, deixou de ser
necessário ser-se um especialista para produzir fotografias. A indústria
evoluiu no sentido de deixar ao consumidor apenas o trabalho de apontar e
premir o botão, deixando o trabalho monótono e elaborado da revelação e
impressão para os laboratórios e técnicos especializados.
Actualmente,
com os suportes digitais, mesmo estes estão quase que condenados à extinção, já
que câmara e computador pessoal se completam.
Acontece
que a simplificação dos processos elaborados (hardware) não veio alterar
profundamente os processos intelectuais (software) da criação da imagem.
Continua
a ser necessário “Pensar” na imagem, imaginar o resultado final, saber-se o que
se quer mostrar ou contar, conhecer como transformar a tridimensionalidade e os
cinco sentidos na bidimensionalidade e na exclusividade da visão. E, neste
campo, não há tecnologia que simplifique. Há que pensar e sentir, mesmo que não
se pense ou sinta que se está a pensar ou sentir.
E
não nos enganemos: Isto dá trabalho! Muito trabalho! É a tentativa e erro, é o
estudo, são as inúmeras frustrações por cada satisfação, é a paciência, é a
pré-disposição diária para o fazer…
Mas,
se pensarmos um pouquinho no comportamento humano, chegamos à conclusão que o
bicho-homem não gosta de trabalhar. Toda a evolução das civilizações e das
técnicas foi e é no sentido de facilitar as tarefas, de minimizar o esforço, de
aumentar a satisfação. Fotografia incluída!
Donde
a lei, quase universal, do menor esforço, não se coaduna com o trabalho físico
e intelectual. Aquilo que se procura – uma forma fácil e sem esforço de fazer
fotografia – é quase uma impossibilidade!
Temos
assim que, no grupo humano dos fotógrafos, a evidencia do individuo se torna
difícil porque trabalhosa.
Mais
ainda, esta evidência não depende apenas do esforço do próprio mas também (e
muito) do reconhecimento que o grupo lhe dá. Não basta fazer fotografias que
agradem ao próprio: Têm que agradar ao grupo dos fotógrafos.
Mas
o conceito “Agradar” é particularmente variável. Depende das correntes
estéticas em voga, depende da opinião dos lentes e daquilo que o mercado e
negócio impõe.
Desta
forma, aqueles que fotografam para “agradar”, que procuram o destaque no grupo,
estão dependentes das variações culturais e das opiniões de quem influi. O
ser-se bom não depende do esforço próprio.
Resta
assim, àqueles que se querem evidenciar na fotografia e que não conseguem ser
reconhecidos pela sua actividade, gritarem bem alto “Eu posso fazer porque
tenho a melhor ferramenta!”
Deixou
de ser uma afirmação no grupo pelo desempenho para passar a ser pela posse. E
esta, porque material e mensurável, é comparável. E o que tiver a câmara mais
sofisticada, a objectiva mais potente ou luminosa ou o laboratório ou PC mais
completo é um “mais” no grupo. Afirma-se como elemento de destaque!
Claro
que, no meio desta análise bastante cínica e materialista, quiçá minimalista,
falta incluir alguns elementos da espécie humana: aqueles que, pertencendo a um
grupo, não se preocupam em o ser ou em serem especiais no seu seio.
São
aqueles que fotografam apenas e só porque lhes dá prazer fazê-lo e não para
reconhecimento no grupo dos que fotografam. E para quem o reconhecimento é um
factor acessório e não vital. Usam a fotografia como forma de expressão pessoal
como outros fazem com a escrita, a pintura e outras “artes” E se os outros
gostam ou não, problema deles. E, muito naturalmente, não se preocupam em se
afirmarem pela ferramenta que possuem!
Alguns
desta categoria obtêm do grupo – e da humanidade – o reconhecimento de
qualidades. Alguns mesmo acabam por tirar proveito disso, já que conseguem
juntar a actividade que lhes agrada com a actividade que lhes dá o sustento.
Alguns
outros só tarde na vida, senão mesmo depois de mortos, são objecto desse
reconhecimento de qualidade.
A
uns e outros, é dada a categoria de mestria!
E,
em chegando a este ponto e porque mais não me apetece escrever por agora sobre
o tema (e muito haveria para dizer), resta-me deixar uma afirmação:
Nenhum
daqueles que são considerados “Bons fotógrafos”, façam ou não disso o seu
objectivo ou ofício, o conseguiram sem muito trabalho. E sem conhecerem, em
profundidade, o mundo e o Homem!
By me
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