O
que há de comum entre a tragédia e o orgasmo?
Aparentemente
nada. Se uma é negativa e a evitar, a outra é positiva e recomenda-se.
Acrescente-se,
entretanto, um elemento a esta equação e tornam-se irmãs inseparáveis, a mesma
face da mesma moeda, partilhando a intimidade como quem partilha a escova de
dentes.
Este
elemento aglutinador de dois opostos chama-se “jornalista”. A tragédia consumada
ou anunciada eleva o jornalista a um estado de êxtase, quase de felicidade
suprema.
Ao
transmitir informações sobre uma tragédia ou desastre, que foi ou será, a sua
adrenalina atinge níveis para além da escala, estende-se em adjectivos,
substantivos e advérbios, usando os superlativos simples e compostos que
encontra ou supõe existirem nas gramáticas e prontuários. Isto supondo que
todos conhecem estas obras de consulta basilares da língua portuguesa.
Antevejo,
com a chegada tardia deste verão, os incêndios, os meios aéreos, as casas consumidas
e as florestas enegrecidas.
Com
os directos, as reportagens, as estatísticas, as entrevistas e os depoimentos,
que nos dirão o quão terrífico foi, é ou será.
E
que alimentarão o jorrar de notícias até que políticos e politólogos,
economistas e banqueiros regressem de férias, na chamada rentrée.
Lá
longe, entretanto, os prédios continuam derrubados, os hospitais continuam a não
curar, os órfãos assim ficarão até à eternidade, os negócios de armas florescem
e os comboios humanitários continuam bloqueados em terra e no mar.
Aqui
ao lado, entretanto, as lojas continuam a fechar, as padarias passaram a
fabricar pão mais barato, e há cada vez mais carros que, com os pneus em baixo,
ficam imobilizados meses a fio.
Mas
não são orgásmicas estas imagens. Neste verão serôdio, as praias e estâncias
balneares são a notícia, já que os incêndios tardam.
By me
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