A
abordagem generalizada à fotografia passa por ir longe, a terras distantes,
registar o que por lá acontece. Actos humanos, actos da natureza, paisagens. E
usar esses registos para exibir as belezas ou denunciar os horrores que por lá
aconteçam.
Este
é o sonho da maioria dos que começam a fotografar, é o desejo escondido dos que
já fotografam.
Essa
não é a minha abordagem. Nem o meu sonho ou desejo.
Entendo
que a fotografia – o registo lúmico do que existe – pode ser feito mesmo à
porta de casa, no jardim ao fundo da rua, no baldio a seguir ao bairro, na
avenida principal ou rua secundária da minha cidade.
Entendo
que o mundo – o universo – é composto de grandes – enormes, infinitos –
eventos. As galáxias, as guerras, as sobrevivências das espécies. Mas também
pelas muito pequenas coisas, triviais, que sucedem em qualquer lado. Ao meu
lado. O desabrochar da flor do cardo, a luz que rasa e evidencia a textura de
uma fachada, o horror do maltratar entre seres humanos, sem sangue ou tragédias
evidentes.
Entendo
que as belezas e horrores acontecem em todo o lado.
Mas
também entendo – sei – que nos é bem mais fácil, enquanto seres humanos
acomodados ao nosso próprio quotidiano, sentirmo-nos emocionados para o bem e
para o mal com o que acontece lá. O belo, se for lá, alimenta os nossos sonhos;
o lá, se for horrendo, alimenta os nossos pesadelos mas também serve de
exorcismo ao pensarmos que lá é pior que cá.
E
a fotografia feita lá longe alimenta os sonhos e pesadelos.
Já
a fotografia feita ao pé da porta é incómoda! No belo ou no horrendo. Que nos
mostra aquilo a que nós mesmos não damos valor, que nos mostra a nossa
incapacidade de mudar o que de mau nos cerca. Que nos coloca e destaca o quão
acomodados estamos.
Claro
que fotografar ao pé da porta dá mais trabalho. Muito mais trabalho. Há que,
mais que olhar, ver o que nos cerca, aquilo que já nos é tão habitual que nem
disso damos conta. Há que “fazer excursões ao próprio quarto”, há que fazermos
turismo na nossa própria rua, há que ter um espírito crítico em relação ao
nosso próprio mundo. Há que descobrir o que de belo ou horrendo existe debaixo
dos nossos próprios pés ou em frente ao nosso próprio nariz.
É
mau ver a fome lá longe. Emociona-nos. Mas é pior voltar a cara aos que todos
os dias vêem comer do nosso caixote do lixo.
É
lindo ver as águas límpidas de uma ilha paradisíaca. Mas é tão belo quanto a
delicadeza com que a abelha se alimenta da madressilva que a vizinha mantém
regada e viçosa.
A
linha do horizonte – aquele lugar aparentemente inatingível e com que sonhamos
ou que tememos – não tem que estar lá longe. Pode estar – e está – à distância
de um braço mais meio centímetro. Por vezes, do outro lado do espelho.
Mesmo
em fotografia.
By me
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