Máquina
do café, a meio da manhã, há algum tempo, três senhoras: uma técnica, uma jornalista,
uma realizadora. Uma na casa dos vinte e poucos anos, outra na casa dos trinta
e poucos anos, a outra a roçar os quarenta anos.
Falava-se
de vestuário e de como todas elas raramente usavam saias, que só se sentiam
confortáveis com o uso de calças.
A
dado passo cito Mark Twain, aliás Samuel Clement, e o seu conhecidíssimo Tom
Sawyer. Refiro o episódio em que o Tom, vestido de rapariga porque em fuga, é
descoberto por uma velhota ao receber um qualquer objecto nas pernas, sentado,
e as fecha. Se fosse de facto uma rapariga, tê-las-ia aberto para o receber em
cima do vestido. Um pequeno pormenor de vivências e de observação de comportamentos.
O
que me deixou com a boca aberta, para dentro, foi que nenhuma delas o tinha
lido, ou a qualquer outra obra dele. Uma das senhoras ainda disse ter visto os
desenhos animados na televisão, mas nada mais.
Bem
sei que esta obra foi publicada pela primeira vez em 1876, há mais de um
século. Bem sei que conta as aventuras de um rapaz no Mississipi. E que as
aventuras de um rapaz que anda com os bolsos cheios das coisas mais estranhas,
que foge de piratas e que encontra estratagemas para que os outros queiram
pintar por ele a vedação da casa, não será o que haverá de mais actual.
Não
será mesmo?
Há
obras (literárias, cinematográficas, musicais, plásticas) que ultrapassam o seu
contexto espaço-temporal e se tornam imortais por aquilo que nos contam e fazem
sonhar ou pensar. Seja Platão, Cervantes ou Saramago (e que me desculpem todos
os outros).
Na
introdução do texto original de “As aventuras de Tom Sawyer lê-se.
"Most of the
adventures recorded in this book really occurred; one or two were experiences
of my own, the rest those of boys who were schoolmates of mine. Huck Finn is
drawn from life; Tom Sawyer also, but not from an individual -- he is a
combination of the characteristics of three boys whom I knew, and therefore belongs
to the composite order of architecture.
The odd
superstitions touched upon were all prevalent among children and slaves in the
West at the period of this story -- that is to say, thirty or forty years ago.
Although my book is
intended mainly for the entertainment of boys and girls, I hope it will not be
shunned by men and women on that account, for part of my plan has been to try
to pleasantly remind adults of what they once were themselves, and of how they
felt and thought and talked, and what queer enterprises they sometimes engaged
in.
The
author
Hartford,
1876"
Procurem-no
na net, ou num livro em português e depois de o lerem digam-me se algum de vós
não é, em parte ou no todo, um Tom Sawyer do séc. XXI.
E
como complemento, sugiro igualmente a leitura de “Um americano na corte do rei
Artur”, do mesmo autor.
Na
imagem: parte do que trago quase sempre nos bolsos. Faltam alguns itens.
By me
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