Eu
não tenho carta de condução.
Nunca
aprendi a conduzir um automóvel nem nunca tentei conduzir um.
Se,
no início e quando tinha idade para isso, não tinha dinheiro para a carta e
muito menos para o carro, quando passei a tê-lo percebi que podia organizar a
minha vida sem carro, tirando partido das vivências que os transportes públicos
permitem. E são muitas e muito neles se aprende, garanto.
Mas
muitos foram os que me perguntaram porque raio não tiro eu a carta, podendo
fazê-lo.
A
explicação é simples: não adianta ter a carta se não se praticar. O simples
facto de ter sido aprovado em aulas de código e de condução não faz de mim um
condutor. Apenas um encartado.
E
sabemos todos que, se não praticarmos, o aprendido esquece-se. Passa do estado
de “talvez saber” ao estado de “talvez lembrar”. Talvez nem tanto. Perigoso no
caso de automóveis.
O
mesmo se aplica em todas as outras áreas do saber. Teórico ou prático,
científico ou subjectivo, do fritar um ovo ao erguer um prédio, passando pela
fotografia, naturalmente.
De
pouco adianta aprender técnicas e conceitos estéticos se não forem postos em
prática amiúde, se não se fizer disso uma actividade em que o domínio desses
campos seja algo instintivo, deixando para o acto de criar as questões de
conteúdo e ocasião.
O
papel do pedagogo passa por aqui: promover e facilitar o conhecimento e a
prática de forma que do lembrar se passe a saber. E dar “ferramentas” a quem
aprende para que possa manter esse saber activo e permanente.
No
entanto, de pouco adiantam as melhores práticas pedagógicas, mais conservadoras
ou mais revolucionárias, se não houver por parte de quem aprende vontade de
tal.
É
muito fácil trabalhar com crianças. Como todo o juvenil, possui muitas
perguntas e ainda poucas respostas. Assim, basta ir satisfazendo essa
curiosidade natural, dando-lhes as respostas às perguntas ou, melhor ainda,
provocando-lhes novas perguntas para as quais queiram respostas.
Acontece
que à medida que o juvenil se vai transformando em adulto, vai adquirindo
respostas e perdendo o interesse nas perguntas. Chega mesmo a entender que tem
todas as respostas a todas as perguntas.
E
é aqui que o papel do pedagogo se torna mais difícil. Na maioria dos casos os
estudantes adultos (aprendizes, formandos, alunos) não querem realmente aprender
ou encontrar respostas a perguntas. Querem, antes sim, encontrar respostas a
perguntas concretas e objectivas, de como solucionar esta ou aquela situação em
concreto, deixando de parte os porquês envolvidos. Ou, e é legítimo, querem obter
creditações que lhes permitam melhores condições de vida. Rapidamente e sem
esforço.
O
papel do pedagogo, nestes casos, duplica. Que, e para além de dar ou ajudar a
encontrar as respostas, tem que fomentar as perguntas intermédias que conduzam
à resposta final. Tem que provocar a curiosidade, tem que fazer com que haja
dúvidas, com que brotem incertezas. E tudo isso sem que esses mesmos adultos se
sintam manipulados no seu raciocínio. Ou que, ao senti-lo, tenham prazer nisso
e disso tirem proveito.
Muito
se tem falado, por cá e ao longo dos tempos, na actividade docente: das
condições de trabalho, das remunerações, das turmas grandes, dos dinheiros
disponíveis para o ensino, do acesso à profissão…
Mas
pouco se fala da dificuldade do ofício, dos tempos extra-escola mas de
trabalho, da adequação dos conteúdos aos tempos disponíveis, dos métodos
impostos por entidades que desconhecem o que é trabalhar com indivíduos…
Que
a pedagogia não é lidar com um montão de gente mas com cada um em particular,
com as suas capacidades, dificuldades e características, levando a bom porto o
objectivo comum na actividade: aprender. Muito para além das avaliações e
quotas de sucesso.
Por
mim, continuo a não querer ter carta de condução. Quero continuar a andar no
meio dos meus iguais e tentar encontrar respostas às questões que se me
levantam. Quero continuar a aprender.
By me
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