Teria
que estar uma tempestade quase ciclónica para me fazer não cumprir uma tradição
desta quadra. Uma tradição com uns seis ou sete anos, muito minha, num projecto
muito meu:
Fotografar
como e quem está, na manhã de Natal, na rua e na baixa de Lisboa.
Algumas
imagens vou exibindo, aqui ou ali, mas a maioria vou-as guardando até que quem,
como e quando seja irrelevante. Questões de privacidade.
Em
qualquer dos casos, esta noite ponderei a sério o não ir. Não apenas a
tempestade estava no limite como a greve prevista para a CP, fazendo com que
houvesse apenas um comboio suburbano para Lisboa a cada duas horas, me fez
hesitar seriamente.
Hoje
de manhãzinha, a transformação de chuvas fortes em aguaceiros fortes
decidiu-me: vou!
Cheguei
à estação do meu bairro com meia hora de antecedência. Sempre poderia tomar um cafezinho
com calma. Tomei e a calma desapareceu. Que soube que o comboio das dez e tal
fora suprimido e que o seguinte seria apenas às doze e tal. Fiz as contas e
fiquei fulo:
Entre
o esperar, o ir e o ambientar-me ou entrosar-me com o que por lá acontece,
seriam horas de almoçar e seguir para o trabalho. Bolas!
Voltar
para trás não me apetecia, ficar ali na estação na estação à espera também não.
Optei
por ser perdulário (bastante) e seguir de táxi, única alternativa restante.
Como
faço nestas ocasiões, bem no meio da estação para que todos me ouvissem, lancei
o aviso:
“O
próximo comboio para Lisboa parte daqui a duas e tal. Vou seguir para lá de táxi
e pago eu. Alguém quer boleia? Tenho três lugares!”
As
hesitações foram as do costume. Que uma oferta destas não é comum
(infelizmente) e anda toda a gente a desconfiar de toda a gente. Desta feita,
talvez por ser o dia que era ou porque tinha uma câmara “grande” pendurada do
ombro, enchi o carro: um cavalheiro e duas senhoras. Ele e uma delas guineenses
(soube-o mais tarde em conversa) e uma outra que pouco falou.
No
carro, falou-se de greves, de solidariedade, de lutas laborais, de grandes e
pequenos, de sacrifícios e benefícios.
O
motorista ia calado. Era dos calados, ao invés de muitos outros. Mas deveria ir
com muita atenção ao que se ia dizendo, certamente.
Que,
quando chegámos ao ponto de fronteira entre dois concelhos e onde deveria mudar
de tarifa, para uma mais cara, fez o movimento para o taxímetro, parou a mão a
meia distância e retirou-a. Não fazendo a mudança num acto deliberado.
Acredito
que tenha sido a sua contribuição, muda e quase escondida, para com quatro
pessoas presas entre o ter que ir trabalhar e o estarem sem transporte.
Quando
paguei, nem uma palavra sobre o assunto trocámos. Apenas um sorriso, bem mais
esclarecedor que todas as palavras. “Estiquei-me” um pouco para além do que
marcava o aparelho.
Quando,
já nas escadas do metro (o destino fora a estação mais próxima) dois dos que comigo
vieram quiseram repartir a despesa. Recusei.
E
disse-lhes que eu viria de qualquer modo. Mas que, de outra vez em haja alguém
a precisar de uma boleia ou quejando, seria o meu pagamento se dessem uma
ajuda. Não importa a quem.
Sorriram,
sorrimos, e seguimos.
Não
duvido que o façam, mesmo que chova como hoje.
By me
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