O
sol já se tinha posto havia um pedaço e eu estava a pendurar uma roupita a
secar.
Não
havia vento e, por isso mesmo e por haver aqui como que uma praceta, os poucos
sons que aconteciam subiam bem até à minha janela.
Estava
na terceira ou quarta camisa quando oiço uma criança a chorar. Não chorava
muito alto, mas é daqueles sons que não podemos deixar de ouvir.
O
tom era de dor mas de alma, que não do corpo.
Seguiu-se-lhe
um bater de uma porta de carro e uma voz de homem subiu pelas paredes:
“Já
disse que estás de castigo. Hoje não há televisão. Começaste logo de manhã a
mentir. Estás de castigo.”
E
foram-se afastando as vozes: a do pai (?) e a da criança. Não os vi, que cuscar
é feio e teria que afastar as camisas ainda húmidas da lavagem.
Mas
disse, de mim p’ra mim, que se o petiz tinha mentido, ser castigado era
correcto. Que mentir é feio, sabemo-lo, e só lamentamos todos que os que estão
lá em cima, no topo da pirâmide do poder, não sejam igualmente castigados.
Acabei
de pendurar as camisas e também me recolhi: mesmo sem vento, as noites de Dezembro
sempre são as noites de Dezembro.
By me
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