Da janela aberta oiço música. Reconheço um acordeão.
Da janela da esquerda, também ao nível do rés-do-chão,
duas gaiolas de canários. Uma está vazia.
Da janela logo acima, um tipo observa-me, enquanto fuma um
cigarro debruçado no peitoril.
Na mesma posição, mas à esquerda, um velhote, de boné, vai
olhando, talvez que sem ser, o que acontece em redor, por entre os vasos de
madressilvas.
No último andar, uma fulana de manga curta e decote
acentuado, mesmo em Dezembro, usa a janela como cabine telefónica.
Mais abaixo que esta mas acima da do fumante, um gato
espreita p’la janela, fechada.
No andar à direita, pendurada de um camarão de ferro, uma
gaiola com dois periquitos.
Mais acima, solidamente fixada ao lado de uma janela, uma
antena da MEO.
À esquerda, ao mesmo nível, uma bandeira nacional, já pálida
do sol e esfiapada do vento.
No beiral do telhado, os pombos pousam e esvoaçam, em
competição com os pardais no passeio.
No céu, duas gaivotas tomam pulso ao vento, afastadas que
foram das águas do rio, bem lá longe.
Da janela da antena, desta feita de TDT, um rapazola
provoca-me, chamando-me de Pai Natal. Sorrio-lhe, levando a mão à pala do boné.
Antes de me afastar, um quarentão passeia-se, ora
antecedido ora seguido por um caniche de bom porte, talvez ainda mais velho.
E eu, atrás da minha janela fotográfica, num dia cinzento
de quase inverno, depois de uma jornada
de trabalho, e num bairro que já foi o meu há quase meio século, apenas consigo
retalhar isto.
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