Tive
a sorte de ter tido um Mestre no meu ofício.
Tinha
ele uma personalidade com a qual era difícil de lidar: ou bem que simpatizava
com alguém e esse alguém dele tinha tudo, ou bem que não simpatizava e nem
bom-dia havia. Eu tive sorte.
Trabalhámos
juntos durante algum tempo, para meu benefício. Ia explicando-me os como e os
porquês do que fazia, principalmente os porquês e ia incentivando-me à sua
maneira. Umas vezes com uma doçura e carinho inexcedíveis, outras na sequência
da sua irascibilidade ocasionalmente violenta.
A
título de exemplo: fazíamos um ensaio, uma, duas, três vezes. Tudo afinadinho
para um ensaio final ou gravação a sério. Tivesse eu o cuidado de não errar ou
inventar, nem um milímetro. Que estava garantido um valente piparote no lóbulo
da orelha, por vezes com uma caninha que trazia com ele, ou um pesado calduço
na nuca. Sempre sem um pingo de maldade e sempre bem mais que merecido por mim.
Outras,
era capaz de estar mais de uma hora a servir de modelo para que eu treinasse,
passeando-se e surpreendendo-me nesse passeio e sempre com um olho num monitor
de vídeo, corrigindo-me na perícia da execução, nas posturas, nas opções estéticas,
discutindo comigo cada uma delas e sempre sem querer impor o seu próprio ponto
de vista mas tão só conduzindo-me a um qualquer meu, desde que devidamente
argumentado.
E
quando ele pegava no “ferro”, dava prazer ver como fazia na perfeição as
tarefas mais insignificantes e as mais elaboradas!
Tenho
pena de mais não ter trabalhado com ele e, enquanto o fiz, se mais não aprendi
foi porque eu mesmo não o soube fazer.
Depois
disso, e anos depois, passei eu a ser o formador de gente que queria aprender. Em
contextos semelhantes (em trabalho) ou em moldes bem mais convencionais a que
chamamos de “escola”.
E
tentei encontrar um ponto intermédio entre o que havia eu recebido do Zé –
assim se chamava ele, que já morreu – e a formalidade necessária das programações,
dos métodos organizados, das avaliações, dos objectivos…
Ajudar
a aprender um grupo de pessoas em simultâneo implica, ao invés de se for com um
só, uma abordagem generalizada, mas sem nunca se perder a questão do indivíduo
e das suas próprias capacidades.
Esta
mistura de métodos – instintivo e em função do aprendiz com a massificada e
programada – não é fácil, é particularmente trabalhosa e implica criar com o
aprendiz uma empatia pessoal, forte se possível, para que as nossas próprias
falhas como ajudantes de aprendizagem possam ser superadas pelo trabalho de
conjunto.
Vem
todo estes arrazoado, mal amanhado e surgido do correr dos dedos no teclado, na
sequência de um desafio que me foi feito: criar uma “plataforma de “e-learning”
no campo de fotografia. Não o farei.
Não
que o ф não possa ser descrito, ou que I=1/D² não possa ser explicado ou ainda
porque motivo √2 é algo em que mexemos a cada ajuste luminoso.
Tal
como é fácil exibir excelentes exemplos de perfeitas imagens, explicando-as nas
formas e conteúdos, objectivos e interpretações. Abundam bons fotógrafos e
dissertar sobre uma fotografia até que nem é difícil.
Há
alguns bons livros que o fazem e até creio existirem boas páginas web com isso.
Mas
faltam-lhes, a uns e a outros, aquilo que é o mais importante: o ajuste de quem
ajuda a aprender com quem aprende. A relação pessoal, o passar o entusiasmo e
os prazer (ou desprazer) na actividade, o adaptar o discurso a quem ouve, as formas
de incentivo perante os sucessos e insucessos…
Falta
no e-learning ou nos livros (pelo menos na esmagadora maioria deles) o factor
pessoal, a personalização da aprendizagem.
Faltam
os olhares cúmplices, os tons de voz, a doçura ou agressividade que é parte
integrante do ser humano. Falta o ajustar o que é dito ou demonstrado à
personalidade e capacidade de quem ouve.
E
falta, pelo menos para mim, algo que não se compadece com as auto-estradas de informação
ou mesmo com papeis e prelos: o eu ver, qual árvore de natal, as luzes dos
olhos a brilharem aquando do “já percebi”. Ou o sentir a emoção ou o orgulho
quando me é mostrado o resultado de um trabalho, mesmo que “fraco”.
Ver
isso numa pessoa ou numa turma, ali ao vivo e a cores, é algo impossível de replicar
na frieza da distância.
No
processo aprender/ajudar a aprender a relação pessoal é vital.
Quando
não, transforma-se em “ensino”, onde a actividade se centra em quem o faz e não
em quem aprende. Tal como hoje, na massificação das escolas, acontece.
E
quem me dera tornar a tropeçar num Mestre hoje, que tanto tenho para aprender!
By me
1 comentário:
As ideias são como "os tais lugares onde o sol não brilha", cada um com o seu!
Se os ventos mudarem, quem sabe talvez um dia num banco dum qualquer Jardim da Estrela! Ou não!
Até lá, ao vivo e a cores, muitas e boas Photografias.
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