sábado, 7 de dezembro de 2013

Sobre um desafio



Tive a sorte de ter tido um Mestre no meu ofício.
Tinha ele uma personalidade com a qual era difícil de lidar: ou bem que simpatizava com alguém e esse alguém dele tinha tudo, ou bem que não simpatizava e nem bom-dia havia. Eu tive sorte.
Trabalhámos juntos durante algum tempo, para meu benefício. Ia explicando-me os como e os porquês do que fazia, principalmente os porquês e ia incentivando-me à sua maneira. Umas vezes com uma doçura e carinho inexcedíveis, outras na sequência da sua irascibilidade ocasionalmente violenta.
A título de exemplo: fazíamos um ensaio, uma, duas, três vezes. Tudo afinadinho para um ensaio final ou gravação a sério. Tivesse eu o cuidado de não errar ou inventar, nem um milímetro. Que estava garantido um valente piparote no lóbulo da orelha, por vezes com uma caninha que trazia com ele, ou um pesado calduço na nuca. Sempre sem um pingo de maldade e sempre bem mais que merecido por mim.
Outras, era capaz de estar mais de uma hora a servir de modelo para que eu treinasse, passeando-se e surpreendendo-me nesse passeio e sempre com um olho num monitor de vídeo, corrigindo-me na perícia da execução, nas posturas, nas opções estéticas, discutindo comigo cada uma delas e sempre sem querer impor o seu próprio ponto de vista mas tão só conduzindo-me a um qualquer meu, desde que devidamente argumentado.
E quando ele pegava no “ferro”, dava prazer ver como fazia na perfeição as tarefas mais insignificantes e as mais elaboradas!
Tenho pena de mais não ter trabalhado com ele e, enquanto o fiz, se mais não aprendi foi porque eu mesmo não o soube fazer.

Depois disso, e anos depois, passei eu a ser o formador de gente que queria aprender. Em contextos semelhantes (em trabalho) ou em moldes bem mais convencionais a que chamamos de “escola”.
E tentei encontrar um ponto intermédio entre o que havia eu recebido do Zé – assim se chamava ele, que já morreu – e a formalidade necessária das programações, dos métodos organizados, das avaliações, dos objectivos…
Ajudar a aprender um grupo de pessoas em simultâneo implica, ao invés de se for com um só, uma abordagem generalizada, mas sem nunca se perder a questão do indivíduo e das suas próprias capacidades.
Esta mistura de métodos – instintivo e em função do aprendiz com a massificada e programada – não é fácil, é particularmente trabalhosa e implica criar com o aprendiz uma empatia pessoal, forte se possível, para que as nossas próprias falhas como ajudantes de aprendizagem possam ser superadas pelo trabalho de conjunto.

Vem todo estes arrazoado, mal amanhado e surgido do correr dos dedos no teclado, na sequência de um desafio que me foi feito: criar uma “plataforma de “e-learning” no campo de fotografia. Não o farei.
Não que o ф não possa ser descrito, ou que I=1/D² não possa ser explicado ou ainda porque motivo √2 é algo em que mexemos a cada ajuste luminoso.
Tal como é fácil exibir excelentes exemplos de perfeitas imagens, explicando-as nas formas e conteúdos, objectivos e interpretações. Abundam bons fotógrafos e dissertar sobre uma fotografia até que nem é difícil.
Há alguns bons livros que o fazem e até creio existirem boas páginas web com isso.
Mas faltam-lhes, a uns e a outros, aquilo que é o mais importante: o ajuste de quem ajuda a aprender com quem aprende. A relação pessoal, o passar o entusiasmo e os prazer (ou desprazer) na actividade, o adaptar o discurso a quem ouve, as formas de incentivo perante os sucessos e insucessos…
Falta no e-learning ou nos livros (pelo menos na esmagadora maioria deles) o factor pessoal, a personalização da aprendizagem.
Faltam os olhares cúmplices, os tons de voz, a doçura ou agressividade que é parte integrante do ser humano. Falta o ajustar o que é dito ou demonstrado à personalidade e capacidade de quem ouve.
E falta, pelo menos para mim, algo que não se compadece com as auto-estradas de informação ou mesmo com papeis e prelos: o eu ver, qual árvore de natal, as luzes dos olhos a brilharem aquando do “já percebi”. Ou o sentir a emoção ou o orgulho quando me é mostrado o resultado de um trabalho, mesmo que “fraco”.
Ver isso numa pessoa ou numa turma, ali ao vivo e a cores, é algo impossível de replicar na frieza da distância.
No processo aprender/ajudar a aprender a relação pessoal é vital.
Quando não, transforma-se em “ensino”, onde a actividade se centra em quem o faz e não em quem aprende. Tal como hoje, na massificação das escolas, acontece.


E quem me dera tornar a tropeçar num Mestre hoje, que tanto tenho para aprender!

By me

1 comentário:

Anónimo disse...

As ideias são como "os tais lugares onde o sol não brilha", cada um com o seu!
Se os ventos mudarem, quem sabe talvez um dia num banco dum qualquer Jardim da Estrela! Ou não!
Até lá, ao vivo e a cores, muitas e boas Photografias.