terça-feira, 31 de dezembro de 2013

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Numa época em que os digitais resolvem tudo (ou quase tudo), venho aqui deixar os meus votos photográphicos para o ano que agora entra:
Não deixem de usar um eficaz para sol, evitando com ele luzes parasitas que tudo estragam e para as quais não há pós produção que resolva.

Se quiserem fazer uma analogia entre a photographia e a vida, estejam como que em vossa casa!

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Relógio



Uma daquelas coisas que me intriga:

Porque raio ontem ninguém me desejou um bom 31 de Dezembro?

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Diferença entre dissolução e solução? Fácil!
Colocar um ministro dentro de um tanque de ácido é uma dissolução.

Colocar todo o conselho de ministros é uma solução!

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Código da estrada



Entram amanhã em vigor as alterações ao código da estrada.
Em tudo quanto é lado tenho lido avisos sobre de que modo se deve circular nas rotundas e de que forma os velocípedes podem circular e os veículos a motor os devem respeitar.
É bom ver estas alterações e respectivos alertas.
Mas gostava de aqui recordar um artigo em particular, e algumas das suas alíneas, que estão em vigor há muito tempo.
Infelizmente, com a entrada em vigor das alterações não saem da via pública os que não respeitam os peões.

Artigo 49º

1 – É proibido parar ou estacionar:

d) A menos de 5 metros antes e nas passagens assinaladas para a travessia de peões ou velocípedes;

f) Nas pistas de velocípedes, nos ilhéus direccionais, nas placas centrais das rotundas, nos passeios e demais locais destinados ao trânsito de peões;


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"Parteleira"



De regresso a casa, já de noite, entram dois jovens universitários.
Vinham de conversa e, quisesse-o eu ou não, a exiguidade do espaço não me permitia não ouvir o que diziam.
Um deles comenta, a certa altura:
“Fico possesso! Quando os vejo escrever nas mensagens “fizemos” ou “dissemos” com hífen, fico possesso! Tento arranjar forma de lhes responder usando a palavra bem escrita, mas respondem insistindo no erro. É terrível!”
“Bem”, pensei eu, “nem tudo está perdido quando gente da geração dos SMS faz questão de escrever correctamente a língua-mãe e de corrigir (ou tentar corrigir) quem a assassina.”
Foi alegria curta, a minha. Que, logo de seguida ouvi o mesmo rapazola a pronunciar “dromir” e “parteleira” com a mesma descontracção com que havia criticado os outros.
Junto com as provas escritas de português do 12º ano, obrigatórias, deveriam existir provas orais em que estas e outras patacoadas fossem motivo de reprovação ou quejando.
A língua é algo de vivo e vibrante, evolutivo e ajustável de acordo com os modismos. Mas uma coisa é evolução e mutação, outra coisa é ignorância. E quando se está já a frequentar o ensino superior, coisas há que não são, de todo, admissíveis.

Leitura precisa-se. Muita!

Para que se não confunda estilo pessoal (escrito ou falado) com asneiras (puras e duras).

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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Just for the fun - Em trânsito



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Formas de estar



É incrível a quantidade de pessoas que são anti. Anti-Qualquer-Coisa.
Anti-fascista, anti-racista, anti-capitalista, anti-comunista, anti-sistema, anti-euro, anti-violência,… anti!
O que é curioso – ou triste – é que ser anti-qualquer-coisa, por muito nobre que seja a causa, é viver num estado de luta ou confronto permanente. É estar sempre a querer acabar com aquilo de que se é anti. Seja lá o que for!
E ao estar-se em luta permanente na prática está-se em luta consigo mesmo. Porque o resultado de se estar sempre num estado de anti é não se estar pró na vida. Que quem luta sempre na vida acaba por não a viver, por não se aperceber de tudo ou grande parte daquilo que é positivo.
Tenho uma atitude diferente: sou pró! Sou pró-felicidade, sou pró-liberdade, sou pró-responsabilidade, sou pró-bem-estar, sou pró-criatividade. Sou pró!
Claro que tenham cuidado os que impeçam o atingir aquilo pelo qual sou pró! Estão tramados! Que sou anti todos eles, com tudo o que isso implique!

Dirão que é uma questão de semântica. Pois talvez o seja.

Mas entre estar em luta para ser feliz ou ser feliz estando em luta, prefiro o primeiro.

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domingo, 29 de dezembro de 2013

A propósito de



Excerto do livro “Introdução à análise da imagem”, de Martine Joly


“…
Trata-se de uma passagem do livro “O foi do horizonte” de António Tabucchi, em que a personagem principal, Spino, tenta encontrar a identidade de um morto graças a uma fotografia que subtraíra da sua carteira.

Em casa instalou tudo na cozinha para trabalhar mais à vontade do que no cubículo onde tem a câmara escura. Durante a tarde tratara de arranjar os químicos e comprara uma tina de plástico numa secção de jardinagem dos grandes armazéns. Conseguiu um rectângulo de luz de trinta centímetros por quarenta e inseriu o negativo de reprodução que mandara fazer num laboratório de confiança.
Imprimiu toda a fotografia, deixando o ampliador aceso uns segundos mais que o necessário porque a reprodução estava sobre-exposta. Na tina do revelador os contornos pareciam custar a delinear-se, como se uma realidade passada e longínqua, irrevogável, resistisse a ser ressuscitada, se opusesse à profanação de olhos curiosos e estranhos, se negasse a despertar num contexto que não lhe pertencia. Sentiu que aquele grupo familiar se recusava a voltar ao palco das imagens para satisfazer a curiosidade de um estranho, num lugar também estranho, num tempo que já não é o seu. Percebeu igualmente que estava a evocar fantasmas, que estava a tentar extorqui-los com o ignóbil estratagema da química, numa cumplicidade forçada, num compromisso equívoco a que eles, vítimas ignaras, se tinham prestado com uma pose improvisada diante de um fotógrafo de então.
Torpe virtude a dos instantâneos! Sorriem. E aquele sorriso é agora para ele, mesmo que não queiram. A intimidade de um instante irrepetível da vida deles pertence-lhe agora, dilatado no tempo e sempre idêntica a si mesma; pode vê-la quantas vezes quiser, pendurada numa corda que atravessa a cozinha, a escorrer. Um risco em diagonal, que a sobrexposição acentuou desmesuradamente, atravessa de lado a lado os corpos deles e a paisagem deles. É o risco involuntário de uma unha, a inevitável corrosão das coisas, o vestígio de um metal (chaves, relógios, isqueiros) com o qual aqueles rostos coabitaram em bolsos e gavetas? Ou será a marca voluntária de uma mão que queria apagar aquele passado?
Mas, seja como for, aquele passado está agora num outro presente, expõe-se sem querer a uma decifração. É o alpendre de uma casa modesta de subúrbio, os degraus são de pedra, enrolada num dos pilares cresce uma trepadeira enfezada, florida de campânulas claras; deve ser verão: adivinha-se uma luz ofuscante e os fotografados têm roupas leves.
O rosto do homem tem uma expressão surpreendida e, ao mesmo tempo, indolente. Está de camisa branca, com as mangas arregaçadas, sentado por trás de uma mesinha de mármore, e tem à frente um jarro de vidro, a que está encostado um jornal dobrado. Decerto estava a ler, e o improvisado fotógrafo chamou-o para o fazer erguer os olhos.
A mãe vem a transpor a soleira da porta, entrou na fotografia por acaso e nem sequer deu por isso. Tem um aventalinho às flores, o rosto é magro. É ainda jovem, mas a sua juventude parece já passada.
As duas crianças estão sentadas num degrau, mas afastadas, alheias uma à outra. A menina tem duas tranças queimadas pelo sol, óculos com aros de massa, usa tamanquinhos. No regaço tem uma boneca de trapos. O rapaz está de sandálias e calções. Tem os cotovelos sobre os joelhos e o queixo apoiado às mãos. Um rosto redondo, uns cabelos em que brilham alguns caracóis, uns joelhos sujos. Do bolso dos calções emerge a forquilha de uma fisga. Olha em frente, mas os seus olhos perdem-se para lá da objectiva, como se seguisse uma aparição no ar, algo que escapa aos outros fotografados. Olha ligeiramente para cima, as pupilas indicam-nos sem qualquer possibilidade de erro. Talvez esteja a olhar para uma nuvem, para a copa de uma árvore.
No canto da direita, onde o terreno se prolonga num caminho empedrado, sobre o qual o telhado do alpendre desenha uma escada de sombra, distingue-se o corpo enroscado de um cão. O olho do fotógrafo, desatento à presença dele, apanhou-o por acaso no enquadramento e a fotografia corta-lhe a cabeça. É um cachorro com malhas pretas que pode parecer um fox mas é com certeza um rafeiro.
Algo o inquieta naquele instantâneo plácido de desconhecidos; algo que parece esquivar-se à sua decifração: um sinal escondido, um elemento aparentemente insignificante e que, no entanto, pressente ser fundamental. Depois aproxima-se, atraído por um pormenor. Através do vidro do jarro, onduladas por efeito da água, as letras do jornal dobrado a meio que o homem tem à frente dizem: “Sur”. Emociona-se, dá por isso e diz para consigo: a Argentina, estamos na Argentina, porque me emociono?, o que é que a Argentina tem a ver? Mas agora sabe o que os olhos do rapaz estão a fixar. Por trás do fotógrafo, imersa na vegetação, há uma moradia cor-de-rosa e branca. O rapaz fixa uma janela com as persianas fechadas, porque aquela persiana pode entreabir-se lentamente, e então…
E então o quê? Porque é que estás a inventar nesta história? Que diabo está a tua imaginação a inventar fazendo-se passar por memória? Mas justamente naquele instante, não em ficção, bem real dentro de si, uma voz infantil chama distintamente: Biscoito é o nome do cão, não pode ser outra coisa. 
…”


Imagem: by me

Solitários



Volta e meia lá aparece um, mesmo que de mistura com outras coisas.

Não costumo passar onde fica este contentor de lixo.
No entanto hoje, em indo tomar a bica matinal, algo me disse que levasse a DSLR e me alongasse no passeio, curto que costuma ser.
Bingo!

Não sei se será instinto de caçador ou mera coincidência. Mas resultou seguir o “apetite”.

By me

Sugestão doméstica do dia



Não deixes para mais logo aquilo que podes fazer já de seguida.

O mais logo pode ser tarde demais!

By me

sábado, 28 de dezembro de 2013

98-64-RJ



Sejamos honestos:
A pessoa que conduz este carro tem uma grande dose de civismo, ao garantir que, no estacionamento, cabe mais um.
Poderia, como tantos que conhecemos, ocupar por completo o espaço, não sendo possível que outro, mesmo que como este tenha mais de metade do parque livre, aqui estacione.
Também acredito que quem aqui colocou a viatura, seja cumpridor do código da estrada. Que, assim, ao sair da viatura encontra-se logo na zona reservada a peões, não correndo o risco de um acidente por estar na faixa de rodagem.

Alguém conhece o dono do carro para lhe dar umas palmadas, perdão, umas palmas de apreço?

By me 

A prática da arte



“A arte é uma fonte de conhecimento, tal como a ciência, a filosofia, etc., e a grande luta empreendida pelo homem para ir ajustando a sua concepção da realidade – que é o que o enaltece e o torna livre – não pode prosperar se se manipularem ideias que já foram concebidas e realizadas anteriormente. As formas caducas não podem conduzir a ideias actuais. Se as formas não forem capazes de ferir a sociedade que as recebe, de a irritarem, de a impelirem à meditação, de fazerem com que ela veja que está atrasada, senão estiverem em ruptura, então não são uma verdadeira obra de arte. Perante uma verdadeira obra de arte, o espectador deve sentir-se obrigado a fazer um exame de consciência e a pôr em dia as suas velhas concepções. O artista deve fazer com que ele compreenda que o seu mundo era estreito, e deve abrir-lhe novas perspectivas. Isto é: deve levar a cabo uma autêntica obra humanitária.
Quando o grande público encontra plena satisfação em determinadas formas artísticas, é porque essas formas já perderam toda a sua virulência.
Onde não houver verdadeiro impacto, não haverá arte. Quando a forma artística não é capaz de provocar o desconcerto no espírito do espectador e não o obriga a mudar a forma de pensar, não é actual. “

Texto: Antoni Tàpies, in “A prática da arte”, 1970

Imagem: “me by me”, Barcelona, Plaza Reial,  2010

Cota



Certo!
Já por cá ando há mais de meio século, pelo que o apodo de “cota” não será de todo desajustado.
Em termos de captação e tratamento de imagem, ao já por cá andar há tanto tempo, fez com que usasse de quase todos os sistemas e suportes: películas e sensores, químicas e electrónicas, CCDs, CMOS e tubos de raios catódicos, matricial e sequencial, pequenos médios e grandes formatos, estáticos, animados e de alta resolução.
Alguns desses processos tornaram-se com que uma segunda natureza para mim, outros são mais não são que história, outros ainda me são um pouco estranhos, não os dominando por completo. E acredito que quem teve a sorte, como eu, de passar por tantos e tão díspares tenha dificuldade em estar a par de todos e que alguns deles pouco mais sejam que anacronismos curiosos ou tecnologias a dominar.
Por mim, que por dever de ofício ou satisfação da alma, tenho vindo a dominar ou a arranhar todos eles, tenho optado conhecer tão a fundo quanto me é possível o que tenho entre mãos, preocupando-me bem mais com os resultados que com os métodos. Quero “contar uma história”, e bem contada, com a ferramenta que estou a usar, preocupando-me a sério com as últimas tecnologias se e quando elas tiver que usar. Mantenho-me informado mas não as aprofundo como as que estou a usar ou em perspectivas disso.

Uma coisa há, no entanto, que é imutável. Que não depende dos equipamentos ou das tecnologias empregues: a luz. Esta, mais assim ou mais assado, com origem em aquecimento, descargas de gás ou LEDs, continua a ser a emissão e reflexão de fotões, que têm uma trajectória rectilínea e um movimento ondulatório, cujas frequências são por nós traduzidas em cores, cuja interrupção na sua trajectória resulta em sombra, com uma intensidade variável na proporção inversa do quadrado da distância, cujo ângulo de reflexão é igual ao ângulo de incidência, e cuja trajectória é alterada pela aplicação de energia ou com materiais que lhe sejam permeáveis.
Mas, e principalmente, é ela que permite o captar imagem, sejam quais forem as tecnologias empregues. É ela que faz com que um dado assunto seja mais “bonito” ou nem tanto. É ela que nos permite contar histórias e estórias.
Nenhum fotógrafo, videógrafo, cineasta, profissional ou curioso interessado ignora que ela é a sua matéria-prima nem a maltrata ou menospreza. Em o fazendo, os resultados são os que vamos vendo, infelizmente, na net, na imprensa, nos receptores.

Sendo esta a minha abordagem – talvez que de cota com mais de meio século – imagine-se como me sinto ao ter conversas com alguns da nova geração que entendem que a imagem se capta “mais ou menos” e que os contrastes, os ajustes das altas e baixas luzes, as sombras, os jogos de cor se tratam depois, desde que se possua uma boa máquina para os processar.
Um bom pós-processamento é vital na produção de imagem. Sempre o foi. E, se outros motivos não existissem, basta pensar que fotografia, vídeo e cinema têm – sempre – que ser objecto desse tratamento. Tanto na edição, como no controlo, na impressão, na etalonnage, nos efeitos especiais…
Mas com má matéria-prima – no caso, má imagem de origem ou má luz – por muito que se esforcem o mais que se consegue é um resultado sofrível. Se tanto. Nem mesmo os últimos avanços tecnológicos conseguem suprir essas falhas.
Dizerem-me que para se fazer uma boa imagem basta um gráfico de luzes e tons, estático ou animado é o mesmo que me dizerem que para Bruegel ou Leonardo bastava um bom pincel, que para Stanley ou Alfred bastava uma boa película ou que para Helmut ou Frank bastava um bom ampliador.


Serei cota com mais de meio século a arrastar a carcaça mas, para mim, bem mais importante que o como é o porquê.

By me 

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

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Abres a boca p’ra falar, abres os olhos p’ra olhar, abres os ouvidos p’ra ouvir.
Mas nada dizes, nada vês, nada escutas, que o teu umbigo é bem mais importante que tudo o resto.

Como esperas, então, aprender?

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Na noite



Estranhei-a assim que a vi.
Nada nela era estranho ou peculiar. Nem o cabelo, nem as feições, nem o sobretudo, nem a mala, nem o guarda-chuva, nem os sapatos… Nada nela estava fora do lugar. Excepto o lugar!
Aquela mulher, dos seus trintas bem medidos não pertencia ali.
Sapatos com salto de agulha com bem 10cm, imaculadamente pretos e brilhantes; sobretudo de boa fazenda cinzento escuro quase até ao tornozelo; mala de pele preta, fazendo toillete com os sapatos; cabelo preto um pouco armado mas não muito; a face com um toque, quase imperceptível de pintura; guarda-chuva de cabo longo e vareta curtas, mais parecendo uma sombrinha que feito para chuva… tudo nele estava equilibrado, justo, caro.
E era isso que era estranho. Naquela estação de caminho de ferro suburbana, por volta das onze da noite de quase fim de Dezembro, o seu olhar vagueava, meio perdido, pelos indicadores dos comboios seguintes, olhando, quase sem ver, a meia-dúzia de gente que, como eu, aguardava pelo transporte.
Deixei-a subir para o cais. Não era nada comigo e, de uma forma ou de outra, parecia ter encontrado a informação que procurava.
Passado um pouco também eu subi. Haveria tempo de um cigarrito, de um olhar e ver as luzes, o cais e as pessoas, quase sempre iguais. Talvez que nesta noite um pouco mais vazio que o habitual. Que nunca sei o que há para contar, com aparo ou luz.
Quatro pessoas aguardavam. Comigo cinco. E a senhora lá estava, sentada nos bancos de plástico sobre a pedra fria, joelhos bem unidos, malinha sobre eles, sombrinha de chuva ao lado.
Os anúncios sonoros estariam avariados, que nada nos disse da chegada da composição. Mas ela viu-a, luzes fortes surgindo da curva. E levantou-se, aproximando-se do cais. Ansiosa, pareceu-me.
Mas a sua inexperiência nestas lides ferroviárias e nesta linha em particular foi evidente: O seu olhar franziu-se quando se apercebeu que o comboio se encostava no outro cais. Olhou em redor, perturbada.
Primeiro para as escadas. Suponho que pensando se teria tempo de trocar de cais. Não teria. Depois para os quadros indicadores. Para um lado e para o outro, tentando perceber o que se passava.
À distância fiz-lhe um sorriso, talvez não perceptível na noite. E, com as mãos, um gesto de “calma”. Continuou olhando, perturbada, até se ir sentar de novo, na mesma posição.
Aproximei-me até uma distância audível mas não intrusiva, e disse-lhe:
“O nosso vem a seguir e pára aqui deste lado. Aquele segue mas fica a meio caminho.”
“Obrigada.” Disse sorrindo. Era triste, o seu sorriso. Nem bonito nem feio: apenas triste. E deixou-se ficar, já sem olhar para nada que não em frente.
Quatro minutos e meio cigarro depois chegou o que queríamos: eu, ela e os talvez já quinze demais passageiros que, entretanto, haviam subido ao cais. E todos embarcámos com direito a lugar sentado. Àquela hora, naquele dia, dificilmente não os haveria.
Quando desembarquei, vinte minutos depois, ficou a bordo: sentada, direita e muito composta, de olhar fixo bem para além da frente da composição. Nem bonita nem feia, apenas triste, nos seus trintas e tais, por sob as suas roupas e acessórios caros e ali invulgares.


Para onde iria e o que a teria “obrigado” a viajar ali e assim, nos subúrbios? Em que teia terá ficado presa?

By me

Mesa de trabalho



Esta minha mesa de trabalho está razoavelmente confusa.
Nada demais ou que espante, ainda que ultrapasse, um nico, os limites do aceitável.
Mas, antes de a arrumar, tenho que cuidar daquela outra que fica escondida por sob o chapéu. Aquela de onde se não deitam coisas fora nem de onde há pó para limpar.

E isso é que é mesmo, mas mesmo, muito difícil.

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quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Violência



Dizem que a violência é a linguagem dos ignorantes.

Mas "ele há" tanta coisa que não sei…

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EMI



Ver gente que trabalhou com o que de melhor houve no país a ter o comportamento e desempenho profissional abaixo de medíocre que manifesta, parecendo nada ter aprendido em dezenas de anos de ofício…

Talvez que seja da falta de rabanadas, mas mandasse eu e não mais pegariam no ferro!

Que há gente jovem, desejosa de fazer e aprender, e por eles impossibilitados de tal!

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Prendinhas do real



E agora, que o tal de natal já acabou, será que podemos concentrarmo-nos nos nossos problemas reais?

Ou será que vamos continuar a fazer de conta que há Pai Natal, que a ecologia é substituirmos a gasolina por renas e que os laçarotes coloridos são pacotes de saúde, alimentação em kit, justiça em fascículos e devoluções de impostos em calda?

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Tradições para o futuro



Teria que estar uma tempestade quase ciclónica para me fazer não cumprir uma tradição desta quadra. Uma tradição com uns seis ou sete anos, muito minha, num projecto muito meu:
Fotografar como e quem está, na manhã de Natal, na rua e na baixa de Lisboa.
Algumas imagens vou exibindo, aqui ou ali, mas a maioria vou-as guardando até que quem, como e quando seja irrelevante. Questões de privacidade.
Em qualquer dos casos, esta noite ponderei a sério o não ir. Não apenas a tempestade estava no limite como a greve prevista para a CP, fazendo com que houvesse apenas um comboio suburbano para Lisboa a cada duas horas, me fez hesitar seriamente.
Hoje de manhãzinha, a transformação de chuvas fortes em aguaceiros fortes decidiu-me: vou!
Cheguei à estação do meu bairro com meia hora de antecedência. Sempre poderia tomar um cafezinho com calma. Tomei e a calma desapareceu. Que soube que o comboio das dez e tal fora suprimido e que o seguinte seria apenas às doze e tal. Fiz as contas e fiquei fulo:
Entre o esperar, o ir e o ambientar-me ou entrosar-me com o que por lá acontece, seriam horas de almoçar e seguir para o trabalho. Bolas!
Voltar para trás não me apetecia, ficar ali na estação na estação à espera também não.
Optei por ser perdulário (bastante) e seguir de táxi, única alternativa restante.
Como faço nestas ocasiões, bem no meio da estação para que todos me ouvissem, lancei o aviso:
“O próximo comboio para Lisboa parte daqui a duas e tal. Vou seguir para lá de táxi e pago eu. Alguém quer boleia? Tenho três lugares!”
As hesitações foram as do costume. Que uma oferta destas não é comum (infelizmente) e anda toda a gente a desconfiar de toda a gente. Desta feita, talvez por ser o dia que era ou porque tinha uma câmara “grande” pendurada do ombro, enchi o carro: um cavalheiro e duas senhoras. Ele e uma delas guineenses (soube-o mais tarde em conversa) e uma outra que pouco falou.
No carro, falou-se de greves, de solidariedade, de lutas laborais, de grandes e pequenos, de sacrifícios e benefícios.
O motorista ia calado. Era dos calados, ao invés de muitos outros. Mas deveria ir com muita atenção ao que se ia dizendo, certamente.
Que, quando chegámos ao ponto de fronteira entre dois concelhos e onde deveria mudar de tarifa, para uma mais cara, fez o movimento para o taxímetro, parou a mão a meia distância e retirou-a. Não fazendo a mudança num acto deliberado.

Acredito que tenha sido a sua contribuição, muda e quase escondida, para com quatro pessoas presas entre o ter que ir trabalhar e o estarem sem transporte.
Quando paguei, nem uma palavra sobre o assunto trocámos. Apenas um sorriso, bem mais esclarecedor que todas as palavras. “Estiquei-me” um pouco para além do que marcava o aparelho.
Quando, já nas escadas do metro (o destino fora a estação mais próxima) dois dos que comigo vieram quiseram repartir a despesa. Recusei.
E disse-lhes que eu viria de qualquer modo. Mas que, de outra vez em haja alguém a precisar de uma boleia ou quejando, seria o meu pagamento se dessem uma ajuda. Não importa a quem.
Sorriram, sorrimos, e seguimos.

Não duvido que o façam, mesmo que chova como hoje.

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quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

25-12-2013



Restos urbanos da noite natalícia.
Praticamente todos os bancos do centro da cidade, por volta do meio-dia, apresentavam este aspecto.

Não creio que tenha sido o pai Natal, incomodado com os juros cobrados nem o vento maldoso a querer decorar montras inóspitas.

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25-12-2013



Restos urbanos da noite natalícia.
Quase que não havia rua ou praça que não tivesse um exemplar igual ou equivalente.

Por qualquer motivo, esta noite gente ou deuses se zangaram com os guarda-chuvas.

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Uma história de Natal



Era a véspera de Natal e ele estava de regresso a casa.
O dia tinha estado francamente tempestuoso e a noite, ainda que aparentasse estar calma, apenas anunciava que a qualquer momento iria igualar o dia.
O caminho entre a estação habitual e casa era longo e a subir. E boa parte dele desabrigado. O risco de ser apanhado a meio caminho pela tempestade era grande e desconfortável.
E decidiu optar pela solução alternativa: desembarcar mais à frente, na estação seguinte, onde havia uma praça de táxis. Sentado e protegido da chuva e do vento, chegaria a casa.
Mas era véspera de Natal.
Os motoristas de táxi estariam na missa do galo ou no aconchego familiar e nem um aparecia para serviço. Nem mesmo a central telefónica atendia, que a telefonista deveria também ter tido a noite livre.
A solução última seria enfrentar a noite e a tempestade, se desabasse.
Na esquina surgiu um. Um táxi. Um carro de praça. Uma viatura que o haveria de levar a casa. Ocupado. E vinha de um outro concelho, não podendo ali recolher passageiros.
“Sorte a daquele!”, pensou ele. “Safou-se!”
Minutos depois, já com decisão da caminhada tomada mas não concretizada, eis que o táxi regressa. Encosta da praça, abre a janela e pergunta ao solitário que ali aguardava por um táxi que não havia:
“Vai para onde?”
Ele lá lhe respondeu, sabendo que de pouco serviria. Aquele carro não podia, ali, recolher passageiros. Manda a lei e a classe profissional é muito ciosa dos seus territórios.
“Venha, que o levo. Hoje, a esta hora, não consegue aqui apanhar um. Tem é que me dizer o caminho, que não conheço esta zona.” E, já em trânsito, acrescentou: “E sempre escuso de fazer todo o caminho para Lisboa vazio.”


Este ano, sem barbas e disfarçado de motorista de táxi, o Pai Natal apareceu-me uma hora mais cedo.


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terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Cumplicidades



Tem quase setenta anos e encontramo-nos, volta e meia, no café aqui da rua.
A primeira conversa que tivemos, há uns anos, foi sobre fotografia e foi ele que a começou. Também gosta dela, a sua “especialidade” é a nocturna e deixou de a fazer porque “isto de ir com esta idade, à noite e sozinho… é arriscado.”
As mais das vezes está sentado no café, estudando. História, ao que sei. Cadernos de apontamentos, fotocópias, livros, computador, de tudo quanto é forma de estudar ele usa. Moderno ou não.
Hoje, enquanto tomava eu o cafezinho matinal, no meio da correria dos clientes da véspera de Natal, passa ele por mim e comenta:
“Hoje está um bom dia para a fotografia. Romântico!”
Lá fora chovia e ventava.

Só mesmo nós, os fotógrafos, poderíamos pensar isto.

By me 

Votos



“Um feliz Natal”, “Um santo Natal”, “Um bom Natal”!

É um corrupio, nestes últimos dias! Tudo quanto é gente afirma isto para tudo quanto é gente. À laia de despedida, no último dia em que se vêem antes da data em causa, deseja-se “um bom Natal”, “um feliz Natal”, “Um santo Natal”. Com a mesma ligeireza ou indiferença com que se deseja “um bom fim-de-semana”.
Eu, confesso, canso-me até à medula de o ouvir. Porque, no fundo, incomoda-me por um ror de motivos.
À uma porque a maioria das bocas que o proferem não têm realmente esse desejo e usam-no como forma coloquial, de bom-tom, quase que obrigatório.
Depois porque muitos do que o dizem fazem-no para com pessoas com quem passaram todo um ano, senão em guerra, pelo menos em indiferença. Um ignorar permanente apenas quebrado por uma data arbitrária assinalada a vermelho no calendário. Hipocrisia pura e dura!
Em seguida porque maioria que tal diz nem sequer é crente. Crente convicta, acreditando no seu deus e ensinamentos, daqueles que fazem questão de seguir todo o ritual da igreja e que, no seu íntimo, fazem por ser o que os mandamentos mandam. Dos que assim não são, alguns talvez tenham uma fézinha lá no fundo mas, na prática, não celebram o Natal como a festa maior da sua fé. Antes como a festa grande do consumismo. Pelo que, ao fazerem tais votos sobre o Natal, não sei se se referem ao festejo do nascimento de Cristo, há mais de 2000 anos se à existência de mesa farta e presentes abundantes, de preferência dispendiosos.
Acrescente-se que, ao fazer votos sobre o Natal (ou Páscoa), está-se a presumir que quem os recebe partilha da mesma fé ou crença. O que nem sempre é verdade. Desejar “Bom Natal” a um Islâmico ou Judeu é, no mínimo, caricato. Para já não falar em Animistas, Budistas, Xintoístas ou outros menos comuns por cá. No meu caso particular, e se me quiserem desejar um “Bom Qualquer-Coisa”, que seja antes um Solstício ou Equinócio. Estes sim, são datas comuns a todos, já que dispensam qualquer tipo de crença: estão aí para serem constatáveis por quem o quiser fazer e disso quiser fazer festa.
Por fim, quem faz votos de “Um bom Natal” pode ser acusado de sovinice aguda! Porque será que só se deseja de bom o Natal e apenas um? Se os desejos são positivos e significam “Tudo de bom para si!”, então não será apenas “um” dia por ano e não forçosamente um só ano, deixando de fora todos os Não-Natais e todos os restantes anos a serem vividos ou existenciados.
Prefiro usar de uma outra frase: “Divirtam-se e aproveitem bem a luz”. Seja qual for o dia do ano e todos os anos do provir.
Que divertirmo-nos e aproveitarmos o que de bom a natureza tem é uma boa forma de cumprir um outro voto:

“Façam o favor de serem felizes!”

By me

Paz na Terra



Paz na Terra aos Homens de boa vontade.

E às Mulheres também!

By me

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Alucinação



Num momento de tédio infinito, em que se espera que algo aconteça sem mesmo ter a certeza de que vai acontecer, queimo um cigarro sob os pingos fracos da chuva e brinco mentalmente com palavras.
De entre elas, talvez porque o dia está como está, surge-me “necrotério”.
E fui objecto de uma epifania ou alucinação divina:
O prazer que me daria ser chamado ao necrotério local para reconhecer um corpo: o do coelho.

Creio que seria uma excelente prenda natalícia!

By me

A consoada da Lurdinhas



Porque a época é de tradições, aqui fica uma das minhas: este texto de um excelente autor, maldito para uns, magnífico para outros. 
E se excluirmos algum exagero aqui ou ali, certamente que reconhecermos o descrito.


Como a família da Lurdinhas passou a consoada do ano passado:

Para estreitar os laços familiares, não há nada que chegue à festa do Natal, lá isso é verdade, mas espero que neste ano as coisas corram melhor do que o ano passado e não seja preciso o meu pai ir mudar de roupa a meio do jantar por ter apanhado em cheio com o galheteiro do azeite nos cornos, atirado pela minha mãe que o topou a apalpar o cu à D. Filomena, uma prima da minha madrinha que veio de Angola e vive numa pensão em Almirante Reis e anda a estudar para manicure.

A minha mãe ficou bera e com razão, não é por ser minha mãe, esteve quase a dar-lhe o fanico e só gritava: «Tirem-me essa puta da frente! Tirem-me essa puta da frente!» Mas quando as pessoas são educadas, as coisas acabam por compor-se e bastou tirarem a D. Filomena de ao pé do meu pai para ficar tudo em sossego. No fim até estiveram as duas a falar de crochés e da telenovela, que nessa altura dava na televisão, e a D. Filomena ofereceu-se para tratar os pés da minha mãe, assim que acabasse um curso de calista que andava a tirar ali para os lados da Fonte Luminosa.

Essa bronca portanto foi o menos; o pior veio a seguir quando a minha avó teve a infeliz ideia de perguntar à prima Otília que presente de Natal é que lhe tinham dado os patrões do escritório onde ela trabalha e a parva descaiu-se a dizer que, do senhor Benjamim, recebeu um jogo de calcinhas e soutien em nylon, e do senhor Canelas, um vibrador-masturbador japonês, muito bonito, todo transistorizado.

Ora, ao ouvir isto, o Fernando, que é o marido da Otília e tinha metido na boca uma grande garfada, engasgou-se, engoliu uma data de espinhas de bacalhau, cuspiu o resto no prato do meu avô e desatou ao bofetão à mulher: «Sua cabra! Sua ordinária!» e a dizer que ia enfiar o vibrador pelo cu do Canelas acima e partir os cornos ao porcalhão do Benjamim.

E a palerma da Otília, em vez de se calar, como era a obrigação dela, cresceu para o marido que até parecia uma leoa: «Tire as patas de cima de mim, seu cabrão! Você é que tem cornos e dos grandes, ouviu?» E ele, todo a tremer: «Eu?! E ainda o dizes, grandessíssima puta?» E a Otília: «Pois digo para vergonha tua, que nem és marido nem nada! Se não fossem os meus patrões não sei o que seria de mim?». E desatou a chorar baba e ranho e então o Fernando agarrou na faca de cortar o bolo-rei e toda a família se pôs a gritar «Ai que ele mata-a! Ai que ele mata-a!», mas o meu pai tirou-lhe a faca e o tio Arnaldo obrigou-o a sentar-se na cadeira, deu-lhe palmadinhas nas costas e disse-lhe: «Não ligues ao que ela diz, pá, que as mulheres são todas umas putas», e ele ao ouvir estas boas palavras, ficou mais sossegado e até alargou um furo ao cinto para continuar a comer.

O pior é que a tia Palmira não gostou da conversa do marido e começou a refilar que não queria confusões, que se as outras eram putas ela era uma mulher séria, que quem não se sente não é filho de boa gente, etc., etc., mas o tio Arnaldo que é um bocado bruto atirou-lhe logo esta a matar: «Escusas de armar em séria, que todos sabem que andaste enrolada com o Gonçalves da farmácia quando ele te tratou do eczema»; e ela, logo: «E tu com a Gracinda da peixaria, que até escamas de pargo trazias para casa nas cuecas!» E o tio Arnaldo, muito fodido: «As escamas de pargo não são aqui chamadas para nada, porra!» E, ao dizer isto, deu tal murro num prato de filhoses que saltou calda para todo o lado e até eu fiquei com o cabelo enchapoçado dela. E o meu pai que ia acudir pela tia Palmira, esteve vai não vai para apanhar outra vez com o galheteiro, pois a minha mãe tinha-o sempre debaixo de olho; enfim, só visto!

O que valeu para que a festa de Natal não ficasse estragada foi a minha madrinha impor-se, visto ser ela a dona da casa, e avisar que não consentia faltas de respeito, que aquilo ali não era nenhuma taberna e que achava uma sacanice estarem a encher o bandulho à custa dela, com a comida cara como estava, e a portarem-se que nem javardos em vez de se mostrarem agradecidos. «Ou comem de bico calado ou vai tudo para o olho da rua!» disse ela e ninguém refilou; durante algum tempo só se ouviu mastigar, até que o senhor Aguinaldo, o sacana do velhote que está amigado com a minha madrinha e que até aí só abria a boca para meter para dentro, resmungou lá do canto que no olho da rua já nós devíamos estar há muito e que se a família dele fosse ordinária como a nossa já a tinha rifado. Um gajo bera, palavra de honra; não são coisas que se digam assim na frente das pessoas e ainda gostava de ver que merda de família é a dele; cheira-me que é para ali uma ciganada cheia de putas, chulos, sovaqueiras e arrebentas.

Mas a minha mãe, que tem muito jeito para compor as coisas quando não está com a bolha, disse que o melhor era a minha madrinha abrir a televisão, que tem programas muito bonitos no Natal, porque as conversas não fazem falta para nada e a gente não estava ali para conversar mas para comer e que assim as crianças sempre estavam mais distraídas. Foderam-me!

Foi assim que tive de gramar duas horas de chachadas como essa porcaria das canções do Natal, das entrevistas do Natal, das tradições do Natal, dos votos de Natal e até dos anúncios do Natal, sem ter feito mal a ninguém. Não é que eu goste de chavascal e sarrafada, mas, mal por mal, ainda preferia ver os parentes todos à porrada e a descobrir o cu uns aos outros do que ver a merda da televisão.


Texto: by José Vilhena
Imagem: by me


Agradecendo



Hugo Lança é o seu nome.
Sei-o porque lho perguntei. Sei-o porque o fiquei a repeti-lo para que não me esquecesse. Sei-o porque o anotei, medida última contra o esquecimento, no caderninho onde deixo os apontamentos para futuros trabalhos ou escritos.
Mas eu conto de princípio:

A rua onde fica a empresa onde trabalho é larga e de trânsito rápido. A sua travessia pedonal está confinada aos semáforos e passadeiras superiores, pese embora ter pouco peões. Talvez que por causa disso não seja particularmente bem iluminada de noite.
Sabendo tudo isto, quando faço sinal de paragem a um autocarro procuro ficar bem visível, na berma exterior do recorte onde encosta, recolhendo à paragem apenas quando verifico, pelo sinal luminoso, que me viu.
Hoje não foi excepção.
O que foi menos comum foi o motorista ter tido uma palavra de apreço por esta minha atitude que, segundo ele, lhes facilita a vida. Gostei de ouvir, ainda que o não faça para tal. E trocámos mais umas banalidades sobre passageiros e autocarros.
Sentei-me, talvez devido à conversa, no banco da frente, onde raramente me sento. E fiquei atento à prática dos que queriam embarcar e de que forma e com que antecedência fazem o respectivo sinal de aviso: o braço levantado.
Efectivamente, de noite é difícil de ver. E se for com o autocarro já perto, o abrandar e parar não é tão fácil.
Mas dei por mais.
Em algumas paragens não havia quem quisesse subir mas tão só descer. E o motorista não imobilizava o veículo da mesma forma:
Se havia para embarcar ajustava a porta da frente junto à paragem; em não o havendo, uns dois metros mais à frente, alinhando as portas de trás com a paragem, onde não há obstáculos (pilaretes, automóveis no passeio, caixotes de lixo, bermas estragadas e afins). Da segunda vez achei coincidência. Na terceira comecei a perder dúvidas. À quarta tive a certeza!
Ele fazia-o propositadamente, tentando facilitar a vida aos passageiros, mesmo que eles não dessem por isso.

Não resisti e, a algumas paragens daquela onde eu iria descer, saí do meu banco e meti conversa com ele.
Elogiei o que fazia, reparei-lhe que a maioria dos seus colegas não o fazia e que as coisas boas deviam ser elogiadas. Como esta.
Respondeu-me que, apesar de estar de serviço desde as 13 horas (eram umas 22.45h) continuava a fazer o melhor que podia e sabia pelo bem-estar de quem transportava.
Antes de sair na minha paragem, perguntei-lhe pelo nome: Hugo Lança, foi a resposta.

Aqui fica o agradecimento público ao Sr. Hugo Lança, motorista da Carris. Bem como a todos os demais, mesmo não sabendo os seus nomes, que têm estas atitudes anónimas e regulares para com quem confia neles a vida e o chegar a horas.

Faço-o em meu nome e em nome de todos os que, mesmo não o notando nem sabendo os nomes dos motoristas, são alvo destas atenções profissionais.

By me 

domingo, 22 de dezembro de 2013

Uma história de natal



Há muito, muito tempo, numa terra muito, muito longe, o sr. Pilim e a srª Narta tiveram um filho. Carinhosamente deram-lhe o nome de Dinheirinho.
Sabendo do acontecimento e exultantes com a boa nova, de imediato três magos de reinos distantes se dispuseram a venerar e ofertar. Vinham eles do reino do Fisco, do reino da Banca e do reino do Comércio.
Ajoelhando-se à chegada, logo lhe entregaram o que traziam: um cartão de crédito, um cartão de cliente e um cartão de contribuinte. E disseram-lhe:
“Aqui tendes as nossas oferendas. Acreditamos que com elas sereis maior e mais poderoso. Usai-as como entenderdes.”
E assim aconteceu: o recém-nascido cresceu, a sua palavra e influência espalhou-se pelos quatro cantos do mundo e tornou-se omnipotente, omnipresente e omnisciente. 
Os magos, por sua vez, deram graças pelo seu desenvolvimento e trataram de erguer, em tudo quanto é lugar, templos de veneração: Repartições de Finanças, Instituições de Crédito e Centros Comerciais.
E hoje, todos acorrem aos locais de culto em datas como esta, fazendo as suas preces e doando as suas oferendas, num ritual sempre acarinhado pelos sacerdotes.



Contada esta fábula, tenho que ir ali ao balcão agradecer com uma oferenda este bolo e bica e seguir depois para fazer uma promessa por uns cigarritos que gastarei. Alguém aí tem lume?

By me