Como
eu, ela esperava pela hora do comboio partir. E ainda faltavam bem uns vinte
minutos.
Como
eu, ela fumava um cigarrito.
Mas,
ao contrário de mim, tinha decidido sentar-se. E foi isso que me fez meter
conversa.
Que,
no lugar de usar os bancos da estação (que estavam molhados), sentara-se no
degrau (há quem lhe chame de “estribo”) da carruagem onde entraria mais tarde.
Não
resisti e meti conversa. Há muito, mas muito mesmo que não via gente assim
sentada. Excepto a malta à espera do primeiro da manhã, depois de uma noite bem
vivida, o estribo foi usado por mim, e por muitos outros, em locais de
resguardo de composições. E muitos dos que os usavam não seriam exactamente
aquilo a que se costuma chamar de “boas companhias”. Há muito que não via
disto, assim.
E
disse-lho. E disse-me ela que estava muito cansada depois de um dia longo de
trabalho, num centro comercial mesmo ali ao lado.
Foi
uma conversa gira, entre um cota e alguém que fez questão de dizer, por duas
vezes naqueles talvez 45 minutos, que está quase a fazer vinte anos.
Falou-se
de estudos (os falhanço e os sonhos) falou-se de trabalho, falou-se de livros e
de filmes (recomendei-lhe um ou dois), falou-se de migração e de como ela
gostaria de ir para a Austrália, onde já tinha estado em tempos, falou-se de
casas para alugar…
Falou-se
várias coisas, eu a dar corda e uns trocos, ela a falar de si e dos seus
projectos com o namorado.
A
surpresa veio a troco já nem sei de quê. De súbito perguntou-me:
“Foi
votar, ontem? Ui! Houve tantos que não foram…!”
A
surpresa não foi na pergunta, se bem que invulgar. A surpresa foi o tom de
extremo orgulho em ela mesma o ter feito. E, pela idade e cronologia dos últimos
actos eleitorais, ter sido a primeira vez.
Foi
bonito de ver, foi bonito de ouvir, foi bonito de o sentir.
Claro
que lhe disse que sim, apesar do que trago na lapela. E, não sabendo ela o que
era, lá lhe anotei numa folha de papel o que procurar na net a esse respeito. “Ah,
isto!” disse quando leu. “Acho que falámos disto em História, no secundário.”
Ganhei
a noite por a saber interventiva e ganhei a noite porque me fez recordar o meu
próprio orgulho de ter votado pela primeira vez, faz já muitos anos.
A
fotografia? Claro que não é a dela. Pedir-lhe para fazer uma fotografia teria
estragado, por completo, aquela espontaneidade de dois estranhos que conversam,
sabendo que será provável que não se tornem a encontrar.
Optei,
assim, pelo que sobrou de uma poça d’água ao desembarcar na minha própria estação.
Vestígios de um aguaceiro que, se não tivesse acontecido, nunca teria proporcionado
esta conversa.
By me
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