Existem
aquelas figuras, femininas ou masculinas, que são perfeitas.
As
feições, as formas corporais, as cores da pele e da pelagem, a voz, a forma de
moverem… Tudo nessas pessoas é perfeito.
Depois
existem aquelas pessoas que são de excepção: ele é o olhar, o formato do
queixo, o comprimento dos dedos, o volume de alguma parte do corpo, a voz em
tom mais baixo ou mais agudo… alguma ou algumas dessas particularidades
transformam aquela pessoa em alguém que não pode deixar de ser visto e
apreciado.
Há
ainda aquelas pessoas que, não tendo nada em si que seja realmente bonito, têm
algum aspecto que é mesmo invulgar. Alguma discrepância na proporção das
formas, um formato invulgar de rosto ou o que quer que seja, a cor dos olhos ou
do pelo… Ou tão só um conjunto de características que, naquele lugar e tempo
são incomuns mas que na sua região de origem são banais.
Apesar
de tudo isto, não são estas pessoas, extremamente bonitas ou invulgares, que
nos fazem ficar perdidamente apaixonados ou com quem queremos ficar para todo o
sempre. São bonitas, vistosas, fazem-nos virar a cabeça ao passar, queremos
conhecer melhor, mas… não passa disso: atracção física e visual.
Depois
existem todas as outras pessoas, que não possuem nenhum atributo especial, que
são completamente banais ou mesmo “feias”, que, quando com elas nos cruzamos na
vida, nos prendem irresistivelmente, em quem não podemos deixar de pensar, com
quem acabamos por viver momentos de paixão desmesurada ou amor eterno. Claro
que isto também pode acontecer com as tais primeiras pessoas, as de excepção,
mas sendo que são em percentagem reduzida, é bem mais comum que seja com alguém
deste último grupo, o maior de todos.
O
mesmo sucede com a fotografia.
Há
fotografias esplêndidas, perfeitas nos aspectos técnicos e estéticos. Paisagens
campestres ou urbanas, de pessoas, arquitectura, naturezas mortas, técnicas,
publicidade… Existe um bom número de fotografias, e de autores, por esses mundo
fora e ao longo da história da fotografia.
No
entanto, com muitas delas, dessas perfeitas, não nos daríamos ao trabalho de as
comprar ou recortar de uma revista para as emoldurar e pendurar numa parede. Ou
ir folhear amiúde o livro onde constam para com ela deliciar os olhos e a alma.
Mas
existem muitas outras, muitas mesmo, que não sendo perfeitas do ponto de vista
académico, que não respeitando algumas das regras da proporção, do equilíbrio
de massas e de tons, tendo linhas de fuga estranhas, se algumas, contendo
assuntos banais ou mesmo desagradáveis, nos fazem ficar horas a mirá-las,
degustando cada centímetro do papel ou do ecrã, falando connosco a cada
instante e contando-nos sempre algo de novo.
Tenho
para mim que uma boa fotografia não tem que ser perfeita! Tem que falar comigo!
Claro
que há os academismos, os conceitos de técnica e de estética que são dominantes
num dado momento e lugar, que pertencem à linguagem de comunicação e que a
todos é comum. São essas ideias, estilos e métodos que ensinamos nas escolas de
fotografia, que levamos os aprendizes a usar de modo inconsciente. Como quem
conhece as métricas e sabe fazer uma quadra.
Mas
também um manual de instruções de uma batedeira ou berbequim está tecnicamente
perfeito, as manchas de texto e ilustrações estão equilibradas e de acordo com
as modas em uso, o texto está gramaticalmente correcto e de acordo com a
ortografia do momento… mas nada disso faz dele algo que queira ver e ver e ver
e ver…
Uma
fotografia de que realmente goste tem que me falar, tem que me contar algo, tem
que me levar a imaginar mais que não apenas o que ali está expresso, tem que
provocar a excitação da minha memória ou desafiar-me a memórias novas. Mesmo
que as regras de ouro, os equilíbrios, as definições ou nitidez, os tons e as
cores, mesmo as luzes, não estejam “perfeitos”.
Uma
fotografia que não fale comigo, mesmo sendo “perfeita como nos livros” mais não
me faz que pensar naquelas pessoas que são extremamente bonitas, mas pelas
quais me não apaixono nem pensaria em casar.
By me
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