quinta-feira, 25 de abril de 2013

Morto (a)




Acredito que as regras podem ter excepções. E esta é uma delas.
Tanto quanto me recordo, esta terá sido a única flor que levei para casa para fotografar. Terá sido a única vez que, propositadamente, levei para casa um cadáver para o meu prazer fotográfico.
Somos omnívoros, o que significa que tanto comemos animais como vegetais. Trata-se de uma necessidade mais que básica, que tem que ser satisfeita.
Mas a satisfação da alma, que também é uma necessidade básica, tem limites na minha cartilha. E um deles é não provocar mortes para fotografar. O meu prazer intelectual não é, de forma alguma, maior que o respeito que tenho p’la vida. Animal ou vegetal.
Por isso, recuso-me a colher uma planta. Ou a comprar uma. A menos que venha envasada, vivinha, e que eu mesmo tudo faça para lhe manter e prolongar a vida, juntado essa sua necessidade ao meu prazer.
Trazer flores, por bonitas que sejam, de um jardim, do campo ou da florista, mantê-las à vista para meu deleite e ignorá-las depois da sua rápida morte… Não tenho o direito de assim brincar coma vida de outros, mesmo que de uma planta.
Esta foi uma excepção. Gosto de dizer, de mim p’ra mim, que ao tê-la fotografado e usado a sua imagem (como agora), estou de algum modo a prolongar-lhe a vida, mesmo que ficticiamente. Sofismas que mais não fazem que disfarçar o facto de ter morto um ser vivo para meu prazer!
Mas, e já que o fiz (mea culpa), p’lo menos que seja tão útil quanto o possível. E aqui fica, um símbolo da data que hoje se comemora, reconhecido p’los nacionais como tal, ainda que muitos não saibam, com rigor, o que se celebra. E ainda bem, pois que essa “ignorância” é a consequência de não ter vivido o que antecedeu a data em causa. E tudo o que então foi.

Hoje desejo que haja motivos para que, muito em breve, se crie uma nova data importante na história. Uma viragem bem mais material que a de ’74. Que os protesto que hoje se ouvem, sólidos e bem mais que justificados, se baseiam em questões bem mais materiais que o que justificou Abril. Não estamos em guerra, não temos polícias políticas, não tememos p’la nossa segurança enquanto seres pensantes e com opinião.
Mas um pedido faço: em fazendo a viragem que desejamos e merecemos, em invertendo o caminho que alguns candidatos a ditadores querem tomar, não façamos de um cadáver o símbolo disso.
Por muito belo e poético que possa ser, sempre será usar a morte de algo para celebrar a vida. E, na minha cartilha, o meu prazer intelectual não é mais importante que a vida de uma flor.


By me

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