segunda-feira, 29 de abril de 2013

Photógraphos e fotógrafos




A história tens uns seis anos.
Se acontecesse hoje, não sei se teria um final tão tranquilo para alguns dos intervenientes.

Estava eu no Jardim da Estrela, na minha actividade habitual por lá: Photógrapho.
E estava mais ou menos rodeado de gente: curiosos, pessoas que esperavam vez, gente que fazia fila para receberem a beberagem que nesse dia se promovia por ali… Bastante gente em redor.
A dado passo constato que, num relvado próximo, acontecia fotografia. Um homem na casa dos 50’s, razoavelmente equipado para tal, ia fotografando uma moça/senhora, no início dos trinta, vestida de forma provocante e tirando partido disso e que, com um cachorrinho, ia posando de pé, sentada e deitada na relva. Achei piada, mas tinha mais com que me preocupar: as minhas próprias fotografias.
Entre duas delas, dou de novo uma olhada e reparo que a objectiva estava, discretamente por entre as folhagens, assente em mim e no meu artefacto. Ora subia, ora descia, ora abria, ora fechava, mas era para os meus lados que os clicks aconteciam.
Não me espantei ou incomodei. Afinal, tanto o meu artefacto como a minha actividade não só estávamos num local público como éramos algo de invulgar. E já vou ficando habituado a ser objecto de enquadramento nestes propósitos.
Passado um pouco, no meio da minha azáfama, dou comigo encostado à moça/senhora. Sorridente, com sotaque brasileiro, insinuante e colocando o cachorro entre nós, o roço era evidente.
A princípio não percebi. O cão lambeu-me o nariz – só o cão, entenda-se – e ela foi dizendo umas piadas meio sem nexo mas fartando-se de rir com elas. Até que, em virando o meu olhar, vejo o fotógrafo disparando insistentemente. Horizontal, vertical, mais aberto, mais fechado, o obturador electrónico da DSLR não parava de trabalhar.
Mantive uma certa bonomia para com a moça (que o merecia), o cachorrinho (que de nada entendia) e o fotógrafo (que olhava para mim dentro e fora do visor).
Ao fim de um pedaço, lá entenderam que já chegava e afastaram-se. Sem uma palavra, um sorriso, um olhar cúmplice ou mesmo um menear de cabeça. O trabalho estava feito e pronto.
Aqui saltou-me a tampa!
Pedindo desculpas para uma pequena pausa a quem me rodeava e esperava vez, dirigi-me ao portador da câmara fotográfica, segurei-lhe levemente no braço e afastei-o de quem com ele estava, que o que lhe tinha para dizer não era para muitos ouvidos. E ouviu!
Ouviu que, ainda que mestres no mesmo ofício, o respeito recíproco não se perdia; Que ainda que me não tivesse manifestado, um pedido prévio ou um agradecimento posterior teria sido simpático; Que por muito discreto que ele pudesse ser, a potente teleobjectiva dava nas vistas por entre as ramagens e que a encenação da moça nada tinha de espontâneo; Que eu estava a sentir-me usado e abusado; Que noutras circunstancias, com menos gente por ali e com menos trabalho também, trataria de lhe confiscar a câmara, à força se tal tivesse que ser, até à chegada das forças policiais que eu mesmo chamaria, para que as minhas imagens fossem destruídas na sua presença; E que não confiasse em demasia na alvura e comprimento das minhas barbas, que atrás delas estava quem o pudesse pôr em prática.
Engoliu em seco, atirou-me com um “obrigado” mais frio que o pólo Norte, pegou no braço da moça e afastou-se. O canito, esse, não teve que correr, que estava nos braços dela.
Por mim, voltei à diversão colectiva e consentida que o meu “Oldfashion” permite e propícia.
Não sou pessoa de ler publicações “cor-de-rosa” ou do “jet-set”. Mas, e se por acaso, vier a ver alguma imagem minha com aquela senhora e cão e sem o meu consentimento expresso… Bem, para alguma coisa servirão advogados e tribunais!
Que uma coisa é ser Photógrapho, outra é ser fotógrafo!

By me
Imagem by Rui Palha

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