quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

"Imagem fotográfica"



No constante fazer de imagens do quotidiano, as que são normais, regulares, habituais, vão-se desvanecendo, como papel fotográfico mal fixado, restando delas contornos vagos e imprecisos.
Do que recordo de há 40 anos, para além da festa da revolução por si mesma (o fim da guerra, da censura, da ditadura, da polícia política, o regresso da democracia) ficam as imagens da festa do quotidiano!
Cada dia era um dia, razoavelmente imprevisível e em que as suas consequências dependiam, em boa parte, do que fizéssemos. Não deixávamos o futuro em mãos alheias e intervínhamos, a cada passo, nos que a nós dizia respeito e no que ao colectivo tocava.
Construíamos! Debatíamos! Sonhávamos! Fazíamos!
É esse espírito de construção permanente, de almejar mais e melhor e de fazermos por isso (sem esperarmos que outros o fizessem por nós nem que para eles passássemos as responsabilidades de tal) que recordo com mais força. São fotografias perfeitamente impressas e fixadas que jamais se desvanecerão. Apesar dos aspectos negativos (que os houve) que aconteceram então e que ainda hoje marcam parte da nossa vida.
No espelho do tempo vejo aquilo que agora faço porque aconteça: intervir na sociedade, estando lá de corpo e alma, melhorando o que de menos bom vamos tendo e celebrando o que de alegre e positivo existe.
Mas quando olho para trás e para o lado, lamento sinceramente que esta atitude interventiva que então grassava se tenha desvanecido, qual imagem velha e mal cuidada.
Quando, daqui por 40 anos, olharmos para as imagens deste tempo que vivemos, o que sobrará serão imagens cinzentas ou amareladas, mal fixadas e amarfanhadas.

Porque nesta sociedade, a alegria de ser passou a alegria de ter. E o consumismo dos tempos que correm transforma de um dia para o outro a novidade em velharia, pouco restando para recordar. As fotografias que então fizemos com a alma repassam no tempo. As que hoje vamos fazendo, porque venais e efémeras, não sobreviverão à vertigem das novas novidades para consumir!

By me

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