No
constante fazer de imagens do quotidiano, as que são normais, regulares,
habituais, vão-se desvanecendo, como papel fotográfico mal fixado, restando
delas contornos vagos e imprecisos.
Do
que recordo de há 40 anos, para além da festa da revolução por si mesma (o fim
da guerra, da censura, da ditadura, da polícia política, o regresso da
democracia) ficam as imagens da festa do quotidiano!
Cada
dia era um dia, razoavelmente imprevisível e em que as suas consequências
dependiam, em boa parte, do que fizéssemos. Não deixávamos o futuro em mãos
alheias e intervínhamos, a cada passo, nos que a nós dizia respeito e no que ao
colectivo tocava.
Construíamos!
Debatíamos! Sonhávamos! Fazíamos!
É
esse espírito de construção permanente, de almejar mais e melhor e de fazermos
por isso (sem esperarmos que outros o fizessem por nós nem que para eles passássemos
as responsabilidades de tal) que recordo com mais força. São fotografias
perfeitamente impressas e fixadas que jamais se desvanecerão. Apesar dos
aspectos negativos (que os houve) que aconteceram então e que ainda hoje marcam
parte da nossa vida.
No
espelho do tempo vejo aquilo que agora faço porque aconteça: intervir na
sociedade, estando lá de corpo e alma, melhorando o que de menos bom vamos
tendo e celebrando o que de alegre e positivo existe.
Mas
quando olho para trás e para o lado, lamento sinceramente que esta atitude
interventiva que então grassava se tenha desvanecido, qual imagem velha e mal
cuidada.
Quando,
daqui por 40 anos, olharmos para as imagens deste tempo que vivemos, o que
sobrará serão imagens cinzentas ou amareladas, mal fixadas e amarfanhadas.
Porque
nesta sociedade, a alegria de ser passou a alegria de ter. E o consumismo dos
tempos que correm transforma de um dia para o outro a novidade em velharia,
pouco restando para recordar. As fotografias que então fizemos com a alma
repassam no tempo. As que hoje vamos fazendo, porque venais e efémeras, não
sobreviverão à vertigem das novas novidades para consumir!
By me
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