sábado, 15 de fevereiro de 2014

Desabafo informativo



Dizer “O homem foi morto pela polícia” ou dizer “O homem foi abatido pela polícia” ou dizer “O homem foi assassinado pela polícia” não é a mesma coisa.
Se no primeiro caso é meramente factual, no segundo o mesmo facto reveste-se de um carácter de legitimidade enquanto que no terceiro toma foros de crime.
Os bons profissionais das escrita sabem-no bem, quer sejam ensaístas, romancistas ou jornalistas. A escolha das palavras, mesmo que de significado próximo, fazem toda a diferença.
O mesmo acontece com o tom de voz e o semblante com é dito: sério, contristado, jocoso, cúmplice… a forma como cada uma das frases acima referidas for dita reforça, neutraliza, inverte ou subverte o sentido das palavras. Qualquer actor, político, professor ou jornalista o sabe e o usa.
Na imagem também há variáveis de interpretação perante o mesmo assunto: de perto, com um grande ângulo de visão, bem de longe com uma objectiva potente; de baixo ou de cima; com luz crua ou difusa; com maior ou menor contraste, com maior ou menor profundidade de campo… se uma imagem vale mil palavras, há mil formas de fazer uma imagem de um mesmo assunto ou facto. Qualquer pintor, fotógrafo, director de imagem, jornalista ou realizador o sabe e usa.
A questão põe-se no uso que é dado à palavra, ao som, à imagem.
Se se tratar de ficção, entretenimento, trabalho de autor, qualquer método ou opção é sempre válida, desde que o seu resultado corresponda às ideias de quem faz. Pretende ele criar no receptor sensações como resposta aos estímulos que produz. E o céu é o limite, dirão alguns que entendem haver limite ao acto de criar.
Mas se objectivo for informar, tornar o receptor conhecedor de um dado facto sem lhe querer condicionar as reacções, aí a coisa fia bem mais fino.
As escolhas das palavras, dos sons, dos enquadramentos, luzes e contrastes não devem reflectir a opinião de quem produz. As opções deverão ser tão neutras quanto o possível, deixando que as opiniões sobre o contado sejam produzidas pelo receptor.
Não é fácil esta abordagem! Implica, por para de quem produz conteúdos, um distanciamento pessoal tão grande quanto o possível dos factos relatados, uma abordagem neutra e isenta. E, convenhamos, só os bons profissionais (ou os que, não sendo profissionais, nasceram com o dom) o conseguem sem esforço.
Os outros, os normais, recorrem a diversas técnicas específicas do ofício e das ferramentas que usam, para garantir a neutralidade do que contam.
Uma delas é, sem sombra de dúvida, a igualdade de tratamento, não importa qual o assunto ou quais as simpatias. Uma abordagem idêntica, na palavra, no som ou na imagem, garante a isenção ou imparcialidade, amemos ou odiemos aquilo sobre o que escrevemos, falamos ou captamos.
Uma vez mais digo que não é fácil. Quem conta o que vê ou ouve também é humano, também reage emocionalmente. Mas é aí, na forma de reagir, que se reconhecem os profissionais, por um lado, e os amadores ou demagogos por outro.
Mais ainda: quanto mais próximo se está do assunto que se conta, mais difícil a separação entre emoções pessoais e o ofício. E o inverso também é verdade: o redactor, frente aos despachos das agências, o pivot num noticiário ou o editor de vídeo ou fotográfico têm a reserva emocional de estarem à distância e de poderem respirar fundo antes de abordarem o assunto.
Por tudo isto (e mais uns trocos que chegariam para encher umas estantes de uma biblioteca) que entendo que alguém, trabalhando na retaguarda informativa e fazendo questão de ter uma abordagem personalizada e distinta do seu ofício só pode ter duas classificações:
Ou bem que é um absoluto incompetente no que faz, não percebendo nada da diferença entre informar e recrear, entre comunicação de massas e trabalho d’autor;
Ou então é um exímio manipulador, alinhado por ideais específicos, usando das prerrogativas do seu ofício para manipular a sociedade que consome, ingénua, o que produz.

Tenho para mim que um incompetente ou se ensina ou se afasta, com o carinho que uma e a indiferença que a outra situação merecem.

Já um manipulador de opiniões…

By me 

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