quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Um texto d'arquivo



Tenho um relógio!
Na verdade, tenho muitos relógios espalhados pela casa, em funcionamento ou não. De pilha, de corda, de bolso, de parede, de pulso, de areia, de sol, autónomos ou inseridos em algum equipamento…
Para a panóplia estar razoavelmente completa, faltam-me, entre outros, uma clepsidra, uma vela graduada, um de cuco…
Mas, para o caso, o que interessa é este relógio.

Possuo-o há trinta anos. Foi comprado a um companheiro de trabalho que “ganhava uns cobres por fora” com artigos de contrabando. Alguém se recorda das Inoxcrome? Suponho que possa falar disso agora, que os prazos legais já prescreveram.
Comprei-o por ser automático. Ainda que seja de corda, não necessita que rodemos o “pinchavelho” para que trabalhe. Possui um pequeno mecanismo no interior que, com o simples movimento do braço põe a mola sob tensão e o sistema a funcionar. Prático.
Claro que se o deixarmos em repouso por uns dias, pára. Nada que, ao tornar a usar, meia dúzia de safanões não resolvam a coisa.

O mostrador não possui números. Mas também não fazem falta.
Quando olhamos para um mostrador de um relógio, poucas se algumas serão as vezes em que queremos saber ao certo que horas são, com o rigor da hora, minuto ou segundo.
Aquilo que procuramos saber é, de facto, quanto tempo passou ou falta para um dado acontecimento. Se estamos atrasados ou adiantados. Se iremos esperar ou ser esperados. Se a nossa impaciência tem ou não razão de ser.
Se perguntarmos a alguém pelas horas, logo a seguir a esse alguém ter olhado para um relógio, o mais certo é essa alguém olhar de novo, que não fixou o valor mas apenas a relativização do tempo. E não sabe que horas são.

O facto de este relógio ser de pulso não me agrada em particular. Sentir o braço preso por uma correia, ou seja o que for preso seja com o que for, desagrada-me.
O tipo de relógio que gosto de usar é de bolso. Não apenas não me prende em coisa nenhuma quando trabalhamos, como não nos preocupamos com a água nem nos estraga os punhos das camisas.
Acontece que os relógios de bolso têm alguns inconvenientes para mim. Ou bem que são mecânicos, de corda e volumosos, parecendo mais armas de arremesso que aparelhos de medida de tempo, ou, para serem de tamanho e peso reduzido, são de preços incomportáveis. Em alternativa, são de pilha. Tenho vários destes.
Mas a pilha gasta-se e, as mais das vezes, acabo por não ter paciência para procurar uma nova. E, cada vez mais, os relojoeiros não querem vender pilhas mas relógios novos! E descartáveis! Descartáveis como o tempo!
Por tudo isto, vota e meia lá estou eu a usar por uma temporada este velhinho relógio de pulso, fiel como poucos.

Tem uma enorme vantagem sobre os demais que possuo: Desde que o adquiri, que se adianta regularmente uns vinte e tal segundos por dia. Não se trata de um defeito, mas antes de uma desafinação. Mas que demonstra a sua qualidade, já que se mantém inalterável há trinta e tal anos.

Mas, dirão alguns, assim nunca sabes ao certo as horas!
Pois não! Mas se, por um lado, não é importante sabê-lo, por outro ou bem que chego no momento aprazado ou então adiantado. Nunca atrasado.
Ou seja, trata-se de um aparelho de medida pouco rigoroso e que me satisfaz por completo no seu funcionamento.


Talvez porque a vida não é exacta nem tem bitolas!.

By me

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